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Josias de Souza

Meta fiscal de Dilma aproxima a ciência econômica da mesa do jogo de búzios

Josias de Souza

23/10/2015 03h54

Como os videntes, Dilma Rousseff e seus economistas recorrem a fórmulas esotéricas para prever o futuro. Tratam o imponderável com enorme precisão. Assim como o jogo de búzios, as teorias econômicas do governo estão sempre certas. Os seres humanos é que nem sempre se comportam como o previsto.

A nova meta fiscal do governo para 2015, que entra em cartaz nesta sexta-feira (23), é a terceira tentativa de antecipar a realidade das contas públicas. O que era um superávit primário de R$ 143,2 bilhões virou um déficit de algo como R$ 70 bilhões. Ou mais.

Levada às manchetes em abril do ano passado, quando Guido Mantega ainda dava expediente na Fazenda, a cifra de R$ 143,2 bilhões correspondia a uma economia de 2,5% do PIB. Ainda em dezembro de 2014, na bica de substituir Mantega, Joaquim Levy reduziu a meta fiscal para R$ 66,3 bilhões —ou 1,2% do PIB.

Há escassos três meses, em julho, o governo jogou novamente os búzios sobre a mesa. Conversou com todos os orixás e as divindades. Enxergou um superávit primário ainda menor: R$ 8,7 bilhões —coisa de 0,15% do PIB.

Apertaram-se todos os botões do painel de. Mas a turma do TCU, a força-tarefa da Lava Jato e o Eduardo Cunha fugiram ao controle. Como se fosse pouco, os investidores não investiram, os consumidores não consumiram e os contribuintes não contribuíram.

Na tarde desta quinta-feira (22), o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) confirmou que a nova meta fiscal seria um buraco de algo como R$ 50 bilhões. Poucas horas depois, o TCU informaria ao Planalto que o governo terá de cobrir ainda em 2015 o cheque especial das 'pedaladas fiscais', devolvendo aos bancos públicos o dinheiro que sacou a descoberto em 2014.

Diante da novidade, Jaques Wagner mandou a Casa Civil informar que o rombo agigantara-se para algo como R$ 70 bilhões. Quer dizer: a previsão de meta fiscal para 2015 voltou ao mesmo patamar de 1,2% do PIB que exibia há dez meses. A diferença é que, em vez de superávit primário, Dilma agora entregará no final do ano um megadéficit.

Como se vê, o vaivém da meta fiscal aproximou da mesa do jogo de búzios a ciência econômica que guia os cálculos do governo. A certeza só vai até onde começa o mistério do comportamento desses seres terríveis que são as pessoas. Quem imaginaria, por exemplo, que Dilma governaria tão mal tão bem?

Para se precaver, a presidente talvez prometa às agências de risco Moody's e Fitch a adoção de bruxarias adicionais. Mas os efeitos podem ser demorados e incertos. Uma agulha atravessada no boneco do Cunha talvez só funcione no ano que vem. E na pessoa errada. Pode doer na própria Dilma, por exemplo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.