Amigo empurra Lula para dentro da Lava Jato
O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, concedeu uma entrevista ao Estadão para contestar o teor da delação premiada do operador de propinas Fernando Baiano. O delator fizera basicamente três revelações envolvendo Lula. Bumlai confirmou duas.
Ou seja, a pretexto de desqualificar Baiano, Bumlai acabou reconhecendo que há um fundo de verdade em pelo menos 66,6% do que foi dito pelo delator. Com isso, o amigo deixou mal Lula, que havia divulgado uma nota para contestar 100% do pedaço do depoimento de Baiano em que seu nome foi mencionado.
Fernando Baiano dissera em seus depoimentos à força-tarefa da Lava Jato que se aproximara de José Carlos Bumlai porque queria que ele marcasse, em 2011, um encontro de Lula com João Carlos Ferraz, então presidente da empresa Sete Brasil. Nessa época, a Sete Brasil negociava com a Petrobras a venda de navios-sonda. E Baiano queria incluir no negócio a OSX, empresa de Eike Batista.
Bumlai confirmou a reunião com Lula. "Almocei com o Baiano no restaurante Tatina, ele me apresentou o [João Carlos] Ferraz nesse momento. Eu não conhecia o Ferraz [presidente da Sete Brasil], não tinha noção de quem era. Ele contou lá as preocupações com respeito ao setor e tal. Eu disse, 'Olha, não entendo nada disso, vou até dar uma recomendação. Vai conversar com o presidente [Lula], seja sucinto e coloca teu problema rápido porque é um entra e sai. Terminado o almoço, o Baiano foi embora. Eu levei o Ferraz lá no Instituto, apresentei o Ferraz. Ele não conhecia o presidente."
O pecuarista-companheiro simulou desinteresse pelo desenvolvimento da conversa entre Lula e Ferraz: "Eu fiquei olhando um livro do Corinthians e saí. Tinha uma outra pessoa na sala, eu não lembro quem era, acho que era o [Paulo] Okamoto [presidente do Instituto Lula]. Fiquei lá, conversando, quando terminou não sei se foi mais de 30 ou 40 minutos, dei carona para ele até o aeroporto."
Embora tivesse almoçado com Baiano e Ferraz antes do encontro com Lula, Bumlai sustenta que não teve a curiosidade natural de perguntar ao presidente da Sete Brasil, a quem diz ter dado uma carona até o aeroporto, como transcorrera a conversa com o ex-presidente da República: "Eu não conversei, fiquei sabendo depois do negócio da indústria naval, sondas, OSX", ele disse.
Na delação, Baiano contara aos delegados federais e aos procuradores da República que Bumlai lhe cobrou uma comissão pela intermediação da entrada da OSX de Eike Batista no negócio trançado entre a Sete Brasil e a Petrobras. Coisa de R$ 3 milhões. Embora a transação não tenha se concretizado, Baiano disse ter concordado em pagar R$ 2 milhões a Bumlai, dos quais repassou uma parte.
Segundo Baiano, Bumlai o pressionou dizendo que o dinheiro destinava-se à liquidação de dívida imobiliária de uma nora de Lula. Fez o repasse por meio de contratos fictícios com uma empresa do pecuarista. Sobre isso, Bumlai sustenta que, embora conheça as quatro noras de Lula, não socorreu nenhuma delas financeiramente. "Não paguei conta de nora de Lula, apartamento, nada a ver. Não tenho nada a ver com isso."
Porém, Bumlai reconhece que pediu dinheiro a Baiano: R$ 1,5 milhão, supostamente a título de empréstimo pessoal. "Em 2011, no mês de setembro, eu tive uma dificuldade, eu não lembro por que, dificuldade financeira. Como eu estava com aquele meu negócio que renderia um bom… eu tinha aberto um canal de conversa com o Fernando [Baiano], eu pedi a ele, 'Fernando, me arruma R$ 1,5 milhão —nem R$ 3 milhões nem R$ 2 milhões— me arruma R$ 1,5 milhão, eu te devolvo.' Ele me arrumou, esta é a minha verdade. Paguei a minha folha, que estava bastante atrasada. Fiquei de devolver o dinheiro para ele, tive um problema de saúde muito sério. Não tem nada a ver com a OSX, nada a ver."
Curiosamente, o próprio Bumlai reconhece que Baiano não teria motivos para lhe emprestar dinheiro graciosamente. "Fiquei até surpreso", disse. "Não tenho muita intimidade". Surpreendentemente, Bumlai é um homem de muitas posses. Em tese, não precisaria pedir socorro a um desconhecido: "Existem momentos, existem momentos, naquele momento eu precisava", afirma. Inexplicavelmente, Bumlai se absteve de informar se pagou o empréstimo que diz ter contraído junto a Baiano.
Em nota divulgada há 11 dias, o Instituto Lula dissera que o ex-presidente "nunca atuou como intermediário de empresas em contratos, antes, durante ou depois de seu governo". Se é assim, por que diabos Lula recebeu o presidente da Sete Brasil para discutir negócios com a Petrobras.
Lula "jamais autorizou que o senhor José Carlos Bumlai ou qualquer pessoa utilizasse seu nome em qualquer espécie de lobby", anotou o texto. Como qualificar, então, os contatos e o almoço que Bumlai teve com Baiano antes de levar o executivo da Sete Brasil à presença de Lula?
"Lula tem quatro noras e nenhuma delas recebeu, direta ou indiretamente, qualquer quantia ou favor do réu Fernando Baiano", acrescentou a nota do instituto que leva o nome do ex-presidente petista. "É deplorável que a palavra de um réu confesso, sem amparo em fatos nem provas, seja divulgada mais uma vez de forma ilegal, com claro objetivo político."
A palavra de um réu confesso deixa de ser deplorável quando coletada em procedimento de colaboração judicial previsto em lei. Passa a ser admirável quando revela indícios de delitos que de outro modo não viriam à luz. Nesse contexto, o que é verdadeiramente abominável é a percepção de certas figuras públicas de que não devem nada a ninguém. Muito menos explicações.
Lula finge não perceber que Bumlai, seu "amigo de festa, de almoço, de aniversários…"— empurrou-o um pouco mais para dentro da Operação Lava Jato. Com amigos como Bumlai, Lula dispensa delatores.
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