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Josias de Souza

PMDB vira a mesa sem tirar os cotovelos dela

Josias de Souza

02/11/2015 05h52

Em duas semanas, o PMDB realizará em Brasília um congresso partidário. Debaterá um esboço de programa de governo. Divulgado na semana passada, o documento chama-se 'Uma ponte para o futuro'. Na economia, é a favor de tudo o que a gestão Dilma rejeita e contra qualquer coisa que a presidente realiza.

No papel, o principal sócio do PT no poder federal virou a mesa. Mas fez isso à sua maneira, sem tirar os cotovelos do tampo. Manteve-se à frente de sete ministérios. Nomeia freneticamente apaniguados para os escalões inferiores da máquina estatal. E convive harmonicamente com Renans e Cunhas.

Quer dizer: não é que o PMDB não veja a solução para a crise. O que o partido não enxerga é o problema. Ou, por outra: o PMDB se oferece como solução sem se dar conta de que, antes, precisa deixar de ser parte do problema.

Na sua proposta de programa, o PMDB se propõe a "buscar a união dos brasileiros de boa vontade." Anota que "o país clama por pacificação, pois o aprofundamento das divisões e a disseminação do ódio e dos ressentimentos estão inviabilizando os consensos políticos sem os quais nossas crises se tornarão cada vez maiores."

"A presente crise fiscal e, principalmente econômica, com retração do PIB, alta inflação, juros muito elevados, desemprego crescente, paralisação dos investimentos produtivos e a completa ausência de horizontes estão obrigando a sociedade a encarar de frente o seu destino", diagnostica o PMDB.

"Nesta hora da verdade, em que o que está em jogo é nada menos que o futuro da nação, impõe-se a formação de uma maioria política, mesmo que transitória ou circunstancial, capaz, de num prazo curto, produzir todas estas decisões na sociedade e no Congresso Nacional", receita o PMDB. "Não temos outro caminho a não ser procurar o entendimento e a cooperação."

O que o PMDB disse, com outras palavras, foi o seguinte: Dilma quebrou o país e perdeu as condições de governar. Acomodado no lugar dela, o vice Michel Temer se entenderia com a oposição, formaria um gabinete transitório de união nacional e aprovaria no Congresso as reformas necessárias para tirar o Brasil do buraco —mais ou menos como fez Itamar Franco nas pegadas do impeachment de Collor.

Respaldado pela maioria transitória, Temer promoveria as reformas amargas que Dilma jamais proporá. Por exemplo: fim da indexação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo e fixação de idade mínima para a aposentadoria (60 anos para mulheres e 65 para os homens). Beleza. Agora só falta o PMDB se virar do avesso.

Quando surgiu, em 1966, o PMDB era o contraponto à ditadura militar e representava o Brasil inteiro. Depois da redemocratização, passou a representar grupos econômicos e corporações. Hoje, representa a si próprio.

No passado, a face mais conhecida do PMDB era a de Ulysses Guimarães. Hoje, o PMDB é o bigode do Sarney, na cara do Renan, emoldurada pela sobrancelha do Jucá. Tudo isso e mais o estômago hipertrofiado do Cunha.

Nesse contexto, o documento 'Uma ponte para o futuro', concebido para ser uma luz, é ofuscado pelo pus que a plateia enxerga no fim do túnel.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.