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Josias de Souza

Decisão sobre caso Cunha pode envolver Deus

Josias de Souza

04/11/2015 04h18

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Deputado de primeiro mandato, Fausto Pinato (PRB-SP) foi dormir na noite passada saboreando a condição de favorito para o posto de relator do processo aberto contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara. A exemplo de Cunha, Pinato é evangélico. Tomado pelas mensagens que dirigia aos eleitores no pleito do ano passado, ele não ousará redigir um eventual relatório sobre a conduta ética do colega sem aconselhar-se com Deus.

Pinato ensinou na sua propaganda eleitoral da tevê que "Deus sempre esteve envolvido nas decisões dos países." Segundo as suas palavras, "todo poder na Terra só existe se Deus permitir que seja concedido ao homem. Deus só não se envolve na corrupção, mas ele tem interesse nos destinos políticos de uma nação."

Guiando-se por essa percepção de que a corrupção não é coisa de Deus, Pinato talvez se anime a ser implacável com Cunha. Sobretudo se levar em conta que o presidente da Câmara cometeu a blasfêmia de colocar em nome de uma empresa chamada Jesus.com os carros que compõem a sua frota de luxo, entre eles um Porsche Cayenne.

O partido de Fausto Pinato, o PRB, fechou com Eduardo Cunha na disputa pela presidência da Câmara, em fevereiro passado. Um pequeno grupo discordou. Mas a legenda, vinculada à Igreja Universal, integrou formalmente o sacrossanto bloco de apoio a Cunha.

Defensor da família nos seus moldes tradicionais e de teses como a redução da maioridade penal, Pinato associou-se à pauta legislativa da Bancada da Bíblia, vitaminada por Cunha. A despeito disso, seu nome foi visto como o mais próximo que o Conselho de Ética conseguiria chegar da imparcialidade entre os três deputados que foram sorteados como potenciais relatores do processo que, em tese, pode levar à cassação do mandato de Cunha.

Os outros dois são José Geraldo (PT-PA) e Vinicius Gurgel (PR-AP). O primeiro, petista de mostruário, está sujeito às influências de Lula e do Planalto, que travam com Cunha um relacionamento do tipo uma mão suja a outra. Quanto a Gurgel, segundo candidato a relator do caso Cunha, trata-se de um notório aliado do presidente da Câmara.

Pinato leva outra vantagem sobre os demais candidatos a relator. Ele é advogado. Assim, além de ouvir o Todo-Poderoso, poderá consultar as evidências que fazem de Eduardo Cunha e de familiares dele beneficiários de contas que o deputado assegurou em depoimento à CPI da Petrobras que jamais possuiu na Suíça.

Manuseando o papelório enviado ao Brasil pela Promotoria da Suíça, o deputado Pinato decerto será tomado de assalto pela revelação de que Deus, embora exista, não é full time.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.