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Josias de Souza

Bagunça fiscal deixa Dilma nas mãos de Renan

Josias de Souza

18/11/2015 05h04

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Neste final de 2015, Dilma está no mesmo lugar desconfortável em que se encontrava em dezembro de 2014: nas mãos de Renan Calheiros. Chegou a esse ponto porque preside uma bagunça fiscal. Recorre aos bons préstimos do presidente do Congresso para não ser enquadrada na Lei de Responsabilidade Fiscal. E Renan, um altruísta incorrigível, revela-se muito útil. Na noite desta terça-feira, livrou Dilma de um grande vexame.

Em sessão conjunta do Congresso, deputados e senadores puseram-se a analisar vetos presidenciais. A vedete da noite era o veto de Dilma ao projeto que concedia aos servidores do Judiciário um aumento médio de 56%, podendo chegar em alguns casos a 78,56%. Na conta do governo, a coisa custaria R$ 36,2 bilhões em quatro anos. Para derrubar o veto na Câmara, eram necessários 257 votos. Obtiveram-se 251 votos. Meia dúzia de votos separaram Dilma da humilhação. E eles só não vieram graças a uma manobra de Renan.

Num instante em que vários deputados se dirigiam ao plenário para votar, Renan encerrou uma votação que abrira não havia nem 15 minutos. O governo colecionou traidores em todos os partidos. Apinhadas de servidores, as galerias explodiram (veja no vídeo). Líder do DEM, o deputado Mendonça Filho escalou a tribuna para resumir a cena. Ele foi ao ponto:

"O governo, claramente, quer limpar a pauta de vetos ligando o rolo compressor, para votar o PLN 05. O que é o PLN 05? É mais uma anistia aos crimes fiscais praticados pela presidente Dilma. Não bastasse o episódio do ano passado, quando o governo tratorou o Congresso para aprovar a toque de caixa o famigerado PLN 36, Dilma quer o mesmo agora: mudar as metas fiscais no final do exercício."

Depois de encerrar 2014 com as contas públicas no vermelho, Dilma prometera perseguir no exercício atual uma meta de superávit de 1,2% do PIB —ou R$ 66,3 bilhões. Chega às portas de dezembro sem meta e sem superávit. E pede ao Congresso que a autorize a fechar o balanço de 2015 com um déficit de R$ 119,9 bilhões (pode me chamar de R$ 120 bilhões). Do contrário, volta a flertar com o impeachment por irresponsabilidade fiscal.

Horas antes do início da sessão em que Renan virou a chave na ignição do trator, a Comissão de Orçamento do Congresso aprovara a conversão de superávit num buraco de R$ 120 bilhões. A macumba foi enviada ao plenário. Ali, só pode ser votada quando não houver mais vetos presidenciais pendentes de apreciação. Ainda há cinco. Daí a pressa de Renan, o altruísta.

Olhando ao redor, os líderes da oposição perceberam que faziam papel de bobos. A infantaria governista não dera as caras em número suficiente para assegurar o quórum mínimo necessário às votações. Mendonça sugeriu que os oposicionistas abandonassem o plenário. DEM, PSDB, PPS e Solidariedade entraram em obstrução.

Renan ainda tentou colocar em votação o veto de Dilma ao projeto que assegurou o mesmo percentual de reajuste do salário mínimo a todas as aposentadorias do INSS. Porém, diante da flagrante falta de quórum, a oposição exigiu que fosse observado nessa votação o mesmo prazo de 15 minutos da votação anterior. E Renan viu-se compelido a encerrar os trabalhos pouco depois da meia-noite.

Movido por seu altruísmo, o mandachuva do Congresso marcou nova sessão conjunta de deputados e senadores para o final da manhã desta quarta-feira. Parece empenhado em limpar a pauta para presentear Dilma com mais uma anistia fiscal. A oposição tentará impedir. Mas é improvável que consiga. Sobretudo depois que o Planalto decidir dialogar com quem precisa de interrogatório.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.