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Josias de Souza

Delcídio atribui a Renan nomeação de Cerveró

Josias de Souza

29/11/2015 04h55

Renan, Delcídio e Lobão numa das reuniões de Lula com a nata dos encrencados na Lava Jato

Desde que foi recolhido à Superintendência da Polícia Federal em Brasília, na última quarta-feira (25), o senador Delcídio Amaral dedica-se com método a sinalizar o estrago que pode produzir no conglomerado governamental caso resolva aderir à delação premiada. É como se Delcídio quisesse recordar aos seus parceiros de jornada que abandoná-lo pode ser um mau negócio. Num instante em que a oposição prepara o pedido de cassação do seu mandato, Delcídio decidiu levar ao baralho uma carta estratégica: Renan Calheiros.

Em depoimento formal, o senador preso já havia declarado que Dilma Rousseff conhece Nestor Cerveró desde os tempos em que exerceu, entre 1999 e 2002, a função de secretária estadual de Minas e Energia no Rio Grande do Sul. Em privado, Delcídio recordou a pelo menos uma pessoa que o visitou na cadeia que foi Renan Calheiros, presidente do Senado, quem apadrinhou, em 2003, a nomeação de Cerveró, hoje um temido delator da Lava Jato, para o posto de diretor da área Internacional da Petrobras.

Nessa versão, Delcídio teria apenas avalizado, a pedido de Dilma, então ministra de Minas e Energia de Lula, a indicação feita por Renan. Ele diz que se sentiu à vontade para dar o seu aval porque trabalhara com Cerveró. Convivera com ele entre 2000 e 2001, quando comandou, no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, a diretoria de Gás e Energia da Petrobras.

Delcídio já havia insinuado que Cerveró era afilhado político de Renan em março do ano passado, quando o personagem tornou-se tóxico. Naquela ocasião, respondendo a uma pergunta da repórter Andreza Matais, Dilma redigiu de próprio punho uma nota dizendo que, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, aprovara a compra da refinaria de Pasadena escorada em "informações incompletas" de um parecer "técnica e juridicamente falho". O autor do parecer era Cerveró. Hoje, sabe-se que o negócio do Texas produziu apenas prejuízos à Petrobras e propinas para a gangue político-empresarial que pilhou a estatal.

Em março de 2014, quando foi alvejado pelas insinuações de Delcídio, Renan deu o troco com ironia. "O Delcídio deve estar preocupado com relação à indicação, mas eu queria, de antemão, dizer que o Delcídio não deve ficar preocupado. O Delcídio certamente não indicou o Cerveró para roubar a Petrobras", disse Renan, lamentando que, àquela altura, Cerveró ainda estivesse na folha da estatal, atuando como diretor financeiro da subsidiária BR Distribuidora. "Ele ter ficado na Petrobras é imperdoável. O Delcídio tem de pedir a saída dele."

Delcídio não se deu por achado. "O PMDB participou, era representado na diretoria internacional pelo Nestor Cerveró, isso é fato sabido. O Renan tinha toda ascendência sobre o Cerveró." Comparou Renan ao comandante do navio Costa Concordia, Francesco Schettino, aquele italiano que abandonou a embarcação em meio a um naufrágio, em janeiro de 2012.

"O senador Renan está um pouco nervoso, mas é um homem pragmático. Sabe que é hora de tirar o pé do acelerador porque tinha ascendência sobre a diretoria internacional da Petrobras. Está na hora de baixar o espírito Schettino. Rei morto, rei posto. Mas esse modelito é bem conhecido dele."

Depois dessa troca de farpas, Delcídio e Renan celebraram um armistício. Pararam de se torcer o braço um do outro em público. Na última quarta-feira, na sessão em que o Senado teve de deliberar sobre a prisão de Delcício, Renan tentou articular a libertação do colega. Derrotado por 59 votos a 13, lamentou:

"Não é democrático nós permitirmos que se possa prender um congressista no exercício do seu mandato sem culpa formada. Compreendo a decisão do plenário, respeito a maioria. Mas eu, como presidente, não posso concordar com ela. Eu tenho que defender a prerrogativa do Congresso Nacional. Talvez um dia nós possamos avaliar o que significou esse dia triste para o Legislativo brasileiro."

Por ora, a decisão de manter Delcídio preso resultou em risco apenas para o detido, que pode perder o mandato, e para os potenciais delatados, que perderam o sono.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.