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Josias de Souza

Obra do PT ficou menor que sua promiscuidade

Josias de Souza

13/12/2015 06h13

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Noutros tempos, a política feita sob o lema despudorado do 'rouba mas faz' reivindicava a imunidade preventiva para um sistema de conveniências em que o suposto proveito substituía a ética. Hoje, depois de 13 anos de poder petista, já não há nem uma coisa nem outra. A roubalheira fulminou a ética. E a ruína econômica fez sumir a noção de proveito. É contra esse pano de fundo que o governo Dilma se despedaça, espalhando estilhaços na direção de Lula e do PT.

A conversão da rotina em escândalo e a troca da responsabilidade fiscal pelo malabarismo econômico dissolvem o petismo. Apenas 31% dos brasileiros acham que sua vida melhorou nos 13 anos de PT no poder federal, informa o Datafolha. A maioria (68%) avalia que a coisa piorou (26%) ou ficou na mesma (42%). E só 24% veem o desempenho do PT no Planalto como ótimo ou bom. Para 35%, o partido merece as menções ruim ou péssimo. Outros 40% consideram que a legenda foi regular.

O PT paga a conta da longevidade de um poder promíscuo. Lula passou a temer o que o futuro dirá dele quando puder se pronunciar sem o cheiro de enxofre que exala da conjuntura. A combinação de três crises —ética, política e econômica— compromete um título que o morubixaba do PT imaginava estar no papo. O título de presidente da redenção social. Ao vender como realidade a ficção do talento gerencial de Dilma, Lula fez da história das administrações petistas uma ponte ligando o sucesso ao "por outro lado". Com um abismo no meio.

Na era petista, todos os estratos sociais prosperaram. A renda dos 10% mais pobres subiu 129% acima da inflação. A dos 10% mais ricos aumentou 32%. Por outro lado, o país amarga uma recessão que já compromete esses ganhos. Neste ano da graça de 2015, o PIB deve murchar quase 4%.

O Brasil usufruiu como poucos do chamado ciclo das commodities. Por outro lado, o país se absteve de fazer reformas estruturais. Pior: serviu-se da manobra das pedaladas fiscais para maquiar gastos incompatíveis com a receita. A gastança reelegeu Dilma. Por outro lado, madame mentiu tanto na campanha que, reempossada, sua credibilidade virou suco.

Potencializadas pelo Bolsa Família e pela Previdência, as despesas na área social cresceram de 6,5% para 9,3% como proporção do PIB. Por outro lado, a inflação de dois dígitos e o desemprego crescente infelicitam sobretudo os brasileiros mais pobres, roendo-lhes os ganhos.

A Polícia Federal foi equipada e o Ministério Público prestigiado. Por outro lado, os cofres públicos foram assaltados como nunca antes na história desse país. O pré-sal como que ressuscitou o lema do 'petróleo é nosso'. Por outro lado, a rapina desvendada pela Operação Lava Jato revelou o porquê.

Em 13 anos, o PT protagonizou o caso mais dramático de flexibilização das fronteiras ideológicas. A legenda e seu líder-mor deslizaram quase sem sentir para o outro lado. De repente, acordou de mãos dadas com gente do porte de Sarney, Renan, Cunha e Collor.

Lula aniquilou o que parecia ser o seu principal capital político: a presunção da superioridade moral. Hoje, é intimado sem constrnagimentos pela Procuradoria e pela Polícia Federal. Vê os sigilos bancário e fiscal do filho quebrados. Teme que o amigo Bumlai e o ex-líder Delcídio se tornem delatores. É representado nas ruas pelo Pixuleco, um boneco inflável com traje de presidiário.

O PT integrou-se gostosamente à baixeza comum a todos os partidos. Revelou-se capaz de ceder a todas as abjeções políticas. Um fantasma passou a assombrar as noites dos petistas. Trata-se da assombração do próprio PT quando se fazia de casto e imaculado. A alma penada ronda-lhes os sonhos, brandindo faixas com bordões inconvenientes: "Fora Sarney", "Fora Collor", "Fora FHC".

Hoje, o PT —ou o que restou dele— é uma prova material de que, com o passar do tempo, qualquer organização política pode atingir a perfeição da ineficiência impudente. O PT já não pode invocar em seu favor nem mesmo o velho bordão do rouba mas faz. Depois de tanto tempo no poder, o PT dedica-se a desfazer o que foi feito.

Há seis dias, num encontro com movimentos sociais, Lula pediu uma trégua a militantes que cobravam a demissão do ministro Joaquim Levy (Fazenda). Comparou o Brasil a uma locomotiva fora dos trilhos. "É como se estivéssemos num trem descarrilado. Agora, não temos que ficar brigando pelo vagão que a gente vai. A gente precisa colocar o trem outra vez nos trilhos." Ninguém abriu o bico. Natural. Como discutir com um especialista?

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.