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Josias de Souza

Depois que Dilma foi embora, PT e PSDB quebraram o pau na tribuna do Senado

Josias de Souza

03/02/2016 04h56

Durou pouco a atmosfera de concórdia que Dilma Rousseff tentou criar ao comparecer à sessão inaugural do ano legislativo de 2016. Em seu discurso, a presidente propôs uma "parceria com o Congresso" para superar a crise. Depois que ela foi embora, petistas e tucanos quebraram o pau no plenário do Senado. Bem cedo perceberam que já é muito tarde para o diálogo.

Os petistas revezaram-se na tribuna. Deram de ombros para o pronunciamento de Dilma. Saíram em defesa de Lula e de seus familiares. E atacaram ferozmente o tucanato. Líder do PSDB, o senador Cássio Cunha Lima reagiu. No auge do arranca-rabo verbal, o petista Lindbergh Farias disse que Lula sofre "uma campanha de ódio dirigida por setores da mídia brasileira." Comparou-o a FHC.

"Ele foi o presidente que fez a organização das instituições para que houvesse investigação no país, porque tucano não gosta de investigação. Na época do Fernando Henrique Cardoso, não havia investigação. O procurador-geral Geraldo Brindeiro era conhecido como engavetador-geral da República. Ele foi nomeado três vezes. Na quarta vez, houve uma eleição. Sabe em que lugar o Geraldo Brindeiro ficou? Em sétimo lugar, fora da lista tríplice. Sabe o que fez o presidente Fernando Henrique? Nomeou o sétimo colocado."

Lindbergh prosseguiu: "Sabem quantas operações da Polícia Federal houve nos oito anos de governo Fernando Henrique? Foram 48, seis por ano. Isso é um escândalo. Hoje, são mais de 250 por ano. Olhem a comparação!"

Cunha Lima chamou de "pueril" a tese do petista. Afirmou que, sob FHC, "não se praticavam tantos crimes como se pratica hoje." E Lindbergh: "Ah! Vossa Excelência acredita nisso? Ah!" O líder tucano elevou o tom. "Não havia uma organização criminosa comandando o Brasil, senador."

Abespinhada, com a equiparação do PT a uma quadrilha, a senadora petista Fátima Bezerra recordou que a Justiça Eleitoral passou o mandato de Cunha Lima na lâmina quando ele era governador da Paraíba. "Vossa Excelência foi cassado, como outros. Então, […] a organização criminosa, tempos de corrupção, isso vem de longe."

Cunha Lima reagiu: "Não fui cassado por corrupção, não fui cassado por malversação de dinheiro público… Curiosamente, veja só, senadora, a Justiça Eleitoral me puniu acreditando que um programa social que apliquei no meu governo, muito semelhante ao Bolsa Família, teria interferido no resultado da eleição. Foi essa a razão da minha cassação: um programa social que a Justiça Eleitoral entendeu que havia interferido no resultado da eleição."

Nesse ponto, o tucano evocou o processo que corre no TSE contra Dilma e o vice Michel Temer por suspeita de abuso do poder econômico na campanha presidencial de 2014. "O que dizer de tudo o que foi feito pela candidata Dilma? Não sei até quando ela será presidente, porque além do processo de impeachment há as ações na Justiça Eleitoral. E é um rosário de crimes que foram praticados e que devem ser analisados. Quem for inocente vai ter a oportunidade de provar a sua inocência. Não se desesperem tanto!"

"Não confunda desespero com indignação", Lindbergh voltou à carga. Ele tachou de "ridícula" a investigação sobre o triplex no Guarujá, que o Minitério Público de São Paulo suspeita ser de Lula. Manuseando recortes de jornal, insinuou que há investigações melhores por realizar. Lindbergh lastimou: "Nunca foram atrás do apartamento do Fernando Henrique Cardoso", na rua Rio de Janeiro, no elegante bairro paulistano de Higienópolis.

O imóvel pertencia ao banqueiro Edmundo Safdié, ex-dono do Banco Cidade, disse o senador. Teria sido adquirido pelo ex-presidente tucano por R$ 1,1 milhão. "Não estou falando desse 'triplexzinho' no Guarujá", ironizou Lindbergh. "O apartamento tem quatro suítes e cinco vagas na garagem."

Lindbergh mirou também em Aécio Neves, presidnete do PSDB: "Eu quero que passem a limpo este país, senador Cássio, vamos atrás dos apartamentos de todo mundo. O seu colega, o senador Aécio, tem um apartamento no Rio de Janeiro. Quanto custa? Como foi comprado? Existe uma perseguição sistemática contra o presidente Lula. E isso não vamos admitir. Tocar no presidente Lula é chamar a gente para a luta. Nós não vamos ter covardia nesse momento."

Cunha Lima lamentou: "Aécio Neves possui no Rio de Janeiro um apartamento comprado há 50 anos pela mãe do senador. Esse apartamento pertence à família do senador Aécio há 50 anos, adquirido por sua genitora. O desespero é tamanho que tentam mostrar que no quarto escuro todos ficam iguais. E nós não somos iguais. Temos diferenças profundas."

O triplex do Guarujá é "caso de polícia, não de política", alfinetou o tucano. "Lula pode ser investigado, como qualquer cidadão." E Lindbergh: "Nós é que queremos que a investigação seja para todos, inclusive para o seu colega Aécio Neves, que foi citado pela segunda vez por delatores [na Lava Jato]. O Ministério Público vai ter de abrir [inquérito]. Por que isso? Tucano não se investiga? Tem de abrir. Nestor Cerveró falou que foram R$ 100 milhões de propina no governo Fernando Henrique. Tem de ser investigado."

"O senador Aécio sequer está no plenário para se defender", queixou-se Cunha Lima. "É impressionante a deslealdade de Vossa Excelência." Lindbergh não se deu por achado: "Temos de acabar com essa história, no Brasil, de que tucano não é investigado. Pau que bate em Chico bate em Francisco. Isso tem de acontecer."

Antes de Lindbergh, escalaram a tribuna do Senado para defender Lula outros dois petistas: Jorge Viana, vice-presidente do Senado, e Humberto Costa, líder da bancada de senadores do partido. Viana disse que ocorre no país "uma verdadeira caçada ao presidente Lula e seus familiares." Humberto falou em "odioso cerco."

"Este é um país que tem exemplos", afirmou Viana. "Quem foram os grandes presidentes do Brasil? Getúlio Vargas se matou como um bandido, como um corrupto, como um homem do mal. E a história depois o julgou, e o julga até hoje, como um dos grandes presidentes da Nação. Como morreu Juscelino Kubitschek? Morreu como um ladrão, como um corrupto, como uma pessoa desmoralizada. E quem o desmoralizou, quem o carimbou como corrupto? Setores da grande imprensa brasileira, num conluio com algumas autoridades da época."

Viana insinuou que Lula virou alvo para desviar a atenção de um escândalo que tisna o governo tucano de Geraldo Alckmin, em São Paulo: a máfia da merenda escolar. "Há denúncia contra o presidente da Assembleia Legislativa e contra secretários do governo Alckmin, do PSDB. Milhões de reais desviados, dinheiro tirado da merenda das crianças. Isso não é manchete. O assunto é a canoa que dona Marisa comprou para pescar" no sítio de "amigos" que a família Silva utiliza em Atibaia.

O tucano Cunha Lima disse que os petistas esquecem que a oposição não tem nada a ver com as investigações que varejam Lula e o petismo: "Nossa única participação é de apoio ao Ministério Público, à Polícia Federal e às instituições." Num ano de eleições municipais, que funcionarão como uma espécie de prévia de 2018, é improvável que a temperatura do caldeirão desaqueça. A chance de vingar a "parceria" sugerida por Dilma é nula.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.