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Josias de Souza

Dilma precisa dizer o que entende por ‘injustiça’

Josias de Souza

13/02/2016 20h17

Com um atraso de duas semanas, Dilma saiu em defesa de Lula neste sábado. "Converso sistematicamente com o presidente Lula. Acho que ele está sendo objeto de grande injustiça", disse ela. Vai ficando cada vez mais claro que, por trás das crises política e moral, há no Brasil uma crise de semântica. Antes de discutir se Lula é vítima de injustiça convém combinar o que é "injustiça". É essencial definir critérios.

"Injustiça" se mede pela número de inquéritos em que emergiram suspeitas contra Lula ou pelo número de interrogações que as notas oficiais do Instituto Lula deixaram sem resposta? Qual é o peso relativo das reformas feitas por empreiteiras-companheiras em imóveis associados Lula? O fato de as empreiteiras serem as mesmas que assaltaram a Petrobras é suspeito ou "é a coisa mais normal do mundo", como disse o ex-ministro Gilberto Carvalho? Ao dar meia-volta na compra do triplex reformado às custas da OAS, sob a supervisão de Marisa Letícia, Lula arrependeu-se do elevador privativo ou teve medo das notícias que penduraram o imóvel do Guarujá de ponta-cabeça nas manchetes? A utilização de um sítio paradisíaco registrado em nome dos sócios do filhão Lulinha e equipado por pessoas e logomarcas encrencadas na Lava Jato é uma prova de que Lula é um sujeito acima de qualquer suspeita ou será necessário engolir novamente a tese segundo a qual o personagem é mesmo o tolo que não se cansa de repetir "eu não sabia"?

Dilma disse respeitar "muito a história do presidente Lula." Ela soou peremptória: "Tenho certeza de que esse será um processo que será superado, porque acredito que o país, a América Latina e o mundo precisam de uma liderança com as características do presidente Lula."

A presidente não notou. Mas Lula está encrencado em quatro processos, não em um. O Ministério Público de São Paulo investiga a suspeita de ocultação de patrimônio no Guarujá. A força-tarefa da Lava Jato, que já apurava indícios de lavagem de dinheiro no Edifício Solaris, onde está assentado o triplex a beira-mar, levou ao radar o sítio de Atibaia. A Procuradoria da República apura em Brasília se o ex-presidente cometeu o crime de tráfico de influência em favor de empreiteiras. E a Operação Zelotes vareja as medidas provisórias editadas sob Lula com regras que beneficiaram montadoras de automóveis.

Para se chegar a um acordo quanto à "grande injustiça" praticada contra Lula, a primeira condição é falar a mesma língua.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.