João Santana precisa de um bom marqueteiro
Mestre no ofício de esculpir imagens alheias, João Santana revela-se um marqueteiro relapso, muito relaxado na administração de sua reputação. É como se desejasse ajudar a força-tarefa da Lava Jato a demonstrar que não há gênio que não tenha, de vez em quando, a nostalgia da desinteligência.
João Santana revive a aventura brasileira de diante para trás. Da fantasia para a realidade. Parte da fábula —o Brasil fantástico que ele criou nas propagandas eleitorais do PT— e chega à cleptocracia, um país cujo sistema político mantém diuturnamente a honestidade com a cabeça a prêmio.
A odisseia às avessas de João Santana é um retorno pela trilha pioneira. O desbravador volta para inspecionar a Pasárgada das propagandas de campanha e rever os seus conceitos. Horroriza-se ao constatar que nem a amizade com a rainha o livrou das garras da lei. O filme que protagoniza é um relato de sua decepção.
Nos videoclipes de campanha, João Santana exaltava o resgate do orgulho nacional. Ensinava que o brasileiro perdera a mania de depreciar o próprio país. Na sua jornada de volta à realidade, o mago do marketing reencarnou o que Nelson Rodrigues chamava de alma do cachorro vira-lata.
Da República Dominicana, onde se encontrava para cuidar da campanha à reeleição do presidente Danilo Medina, João Santana pôs-se a maldizer a pátria. Em carta endereçada ao partido que o contratara retratou o Brasil como uma República de Bananas, sujeita a inquéritos precários e violações ultrajantes.
"Conhecendo o clima de perseguição que se vive hoje em dia no meu país, não posso dizer que me pegou completamente de surpresa, mas ainda assim é difícil de acreditar", escreveu João Santana sobre o despacho em que o juiz Sérgio Moro ordenara sua prisão temporária.
Na propaganda eleitoral, João Santana esgrimia a tese segundo a qual a lama escorria pelos desvãos da República porque Lula e Dilma haviam soltado as rédeas da Polícia Federal e da Procuradoria. Na sua jornada pelas terras estranhas do Brasil real, o marqueteiro se deu conta de que foi engolfado pelo lodo.
Subitamente, João Santana passou a enxergar ineficiência nas corporações que exaltava. Retorna ao Brasil, agora sem conta de fadas, para se "defender das acusações infundadas." Contra a mentira difundida pela força-tarefa de Curitiba, vai "imprimir a verdade dos fatos." Tudo o que deseja é "esclarecer qualquer especulação."
Alguma coisa subiu à cabeça de João Santana no instante em que foi abalroado pela realidade. A serviço do PT, tirava coelhos da cartola. Como gestor do próprio drama, tenta tirar cartolas de dentro do coelho. Alega que o dinheiro que caiu ilegalmente em suas contas no exterior refere-se a campanhas que realizou fora do Brasil.
O único ponto em comum que sobrevive entre a fábula e a realidade é a criatividade. Já não há fronteiras a desbravar. Mas o ímpeto continua. A diferença é que o fabulador já percebeu que não mora do país da sua propaganda. Faltando-lhe melhores argumentos, nada mais resta a João Santana senão rodar em círculos no xadrez até ser consumido pela revelação de que, além de advogados, precisa contratar um bom marqueteiro.
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