Temer e Renan trocam afagos no auge da crise
Há dois meses e meio, Michel Temer e Renan Calheiros trocavam ofensas. O vice-presidente da República chamava o presidente do Senado de "coronel". E era chamado por ele de "mordomo de filme de terror." Na noite desta quinta-feira, Temer e Renan brindaram um ao outro com amabilidades. Permutaram afagos verbais num evento do PMDB, em Alagoas. Estreitaram a inimizade num dia em que o Planalto foi eletrificado pela delação de Delcídio Amaral, ex-líder de Dilma no Senado.
Temer realiza um périplo pelo país, para consolidar sua reeleição à presidência do PMDB, em convenção marcada para 12 de março. Renan, que ameaçava lançar uma chapa para disputar o comando partidário com Temer, refluiu. No evento alagoano, pregou a unidade partidária. Visto por Dilma como principal aliado do governo no Congresso, o senador já trata da sucessão.
Renan ecoou Temer na defesa de uma alternativa peemedebista para a sucessão de Dilma. "O PMDB tem propostas, tem candidatos, e vai contribuir para o país sair da crise. Com certeza terá candidatura própria em 2018." O ex-deputado Renan Filho, hoje governador de Alagoas, esmerou-se na hospitalidade: "O desafio é grande, mas a experiência de Michel Temer em encontrar soluções para as crises nos dá certeza de que vamos conseguir."
Na sua vez de discursar, Temer retribuiu as gentilezas. Afirmou que, em momentos de crise, o interesse do país está acima de partidos e do próprio governo. "E quem pela primeira vez se preocupou com ações concretas pelo país, devo dizer, foi o Renan, quando lançou a chamada Agenda Brasil." Foi graças à iniciativa de Renan, disse Temer, que o PMDB apresentou o programa "Ponte para o Futuro", chamado na última propoaganda televisiva do partido de "Plano Temer."
O discurso de Temer em Alagoas soou horas depois de o STF converter o peemedebista Eduardo Cunha no primeiro réu do núcleo político da Lava Jato. Mas o vice de Dilma esqueceu por um instante que seu partido é parte do problema. "O PMDB sempre salvou o país nos momentos de maior dificuldade", disse Temer. "Salvou no passado quando redemocratizou o país, salvará agora quando vai ajudar a tirar o país da crise."
Dando de barato sua recondução ao comando do PMDB, Temer emendou: "Ao longo do tempo, todas as minhas vitórias foram conectadas com o Renan. […] Nós sempre estivemos juntos, sempre trabalhos juntos, operamos juntos. E sempre tivemos bons resultados juntos." Paradoxalmente, parte dos "resultados" atribuídos a Renan constam de meia dúzia de inquéritos que ele responde no STF por suspeita de corrupção —inclusive na Petrobras.
A certa altura, Temer perguntou a Renan FiIlho quantos anos ele tem. "Trinta e cinco", respondeu o governador. E Temer: "Já pode ser candidato a presidente da República. Com essa potencialidade…"
Ainda em Maceió, Temer concedeu uma rápida entrevista coletiva. A crise que fervilhava me Brasília lhe chegou por meio das perguntas. De cara, um repórter perguntou a Temer como ele deveria ser chamado diante do rebuliço de Brasília e da delação premiada de Delcídio. A gente chama o senhor de presidente ou vice-presidente? "De presidente do PMDB", esquivou-se Temer.
Instado a comentar a conversão do correligionário Eduardo Cunha em réu, Temer tergiversou: "É uma questão do Judiciário, do Congresso Nacional, não é exatamente uma questão do PMDB." A situação do presidente da Câmara não fica insustentável? "O Congresso tem que decidir. O Judiciário já está examinando. Evidentemente, a palavra final vai caber ao Congresso." Mas qual é a orientação do partido? "Estamos deixando por conta do Conselho de Ética."
E quanto ao impacto da deleção do Delcídio? "Acabei de passar os olhos nas notícias sobre o Delcídio, mas não li a revista, não li a matéria por inteiro", escorregou Temer. "No momento, não posso dizer, porque o que eu dissesse seria mera especulação."
Encerrada a programação alagoana, último compromisso do vice-presidente no Nordeste, Temer embarcou para a próxima escala de sua caravana pela unidade do PMDB: Mato Grosso do Sul. Vem a ser o Estado do delator Delcídio Amaral. Se os repórteres tiverem sorte, o vice de Dilma talvez tenha desperdiçado um naco da sua noite para se inteirar do conteúdo da delação premiada que reacendeu o pavio do impeachment.
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