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Josias de Souza

Dilma recorre a Lula para ‘esfriar’ impeachment

Josias de Souza

09/03/2016 03h56

Em imagem captada por cinegrafista da Globo, Dilma é seguida por Lula e Fernando Pimentel

Levados no embrulho da crise, a pior que um governo do PT já enfrentou em quase 13 anos de poder, Dilma e Lula jantaram juntos no Alvorada na noite desta terça-feira. Além da refeição, compartilharam a avaliação segundo a qual os desdobramentos da Lava Jato e a estagnação econômica retiraram o impeachment do freezer. A presidente recorreu ao seu mentor para tentar, na definição de um auxiliar, "esfriar" a conjuntura que põe em risco a continuidade do seu mandato.

Além de Dilma e Lula, participaram do repasto no Alvorada outros três caciques do PT: o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e os ministros palacianos Jaques Wagner (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Coordenação Política). Lula programou-se para permanecer em Brasília nesta quarta-feira. Sua prioridade é "segurar" o PMDB no governo, fazendo o que for necessário para evitar que o pedaço anti-Dilma da legenda se torne majoritário.

O partido do vice-presidente Michel Temer, substituto constitucional de Dilma, realiza no sábado sua convenção nacional. Será compelido a discutir um tema que se tornou incontornável: a proposta de rompimento com o governo. Pelo menos dez diretórios estaduais defendem o desembarque: RS, SC, PR, ES, PE, MS, BA, AC, RR e RO. Negocia-se uma saída intermediária: a legenda migraria para uma posição de "independência".

Na manhã desta quarta, Lula deve tomar café com a caciquia do PMDB do Senado, à frente o presidente da Casa, Renan Calheiros. Investigado em seis inquéritos da Lava Jato, Renan vem sendo tratado por Dilma como uma espécie de herói da resistência. Nas últimas semanas, reaproximou-se de Michel Temer, algo que inquietou os operadores políticos de Dilma. Daí a decisão de Lula de sentir-lhe o pulso.

Pragmático a mais não poder, Renan tenta farejar a direção dos ventos. Depois de iniciar o dia tomando café com Lula, o senador fechará a noite desta quarta num jantar na casa do senador tucano Tasso Jereissati (CE). A exemplo de Lula, o tucanato também deseja saber que armas o PMDB pretende empunhar na batalha do impeachment. Afora o anfitrião Tasso e os convidados peemedebistas, devem participar do jantar pelo lado dos tucanos: Aécio Neves, José Serra, Cássio Cunha Lima e Aloysio Nunes.

A movimentação em torno do impeachment contrasta com a letargia do governo. Nesta terça-feira, após participar de reunião com o ministro Berzoini, um líder de partido governista comparou o governo a uma pessoa que sofre de "sonambulismo" —caminha durante o sono, repetindo movimentos adquiridos pelo hábito. O próprio pedido de socorro a Lula decorre desse hábito do governo de reagir às crises de maneira automática e convencional.

O problema é que aquele Lula mitológico que elegeu Dilma e ajudou na reeleição é uma construção política do passado. O Lula atual, de carne e osso, é um político tradicional, suspeito de tudo o que se costuma suspeitar nos personagens dessa fauna. Hierarca da degeneração moral do petismo, Lula já não enxerga em Dilma sua única prioridade. A Jararaca agora precisa administrar sua morofobia.

Há mais: Lula, Dilma e os operadores petistas lidam com um fenômeno que foge ao controle do governo e da superestrutura partidária. A Lava Jato tornou-se uma usina de surpresas tóxicas. Em poucos dias, prendeu João Santana, marqueteiro das campanhas petistas; cavou a delação em que o ex-líder do governo Delcídio Amaral atira em Lula e Dilma; arrancou um depoimento de Lula sob coerção e condenou Marcelo Odebrecht a 19 anos e 4 meses de cadeia, mostrando-lhe as vantagens da delação premiada.

Há pior: o alegado talento gerencial de Dilma decresce na proporção direta do crescimento dos desafios. Em privado, Lula não economiza críticas à sua criatura. Disseminou-se entre os aliados do governo a impressão de que a presidente reúne três debilidades: é fraca, indecisa e inepta. Juntas, suas fragilidades a tornam menor do que a crise que ela ajudou a criar. É tão diminuto o talento de Dilma que muitos enxergam nela a própria crise.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.