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Josias de Souza

PMDB trata gestão Dilma como cadáver na fila

Josias de Souza

12/03/2016 20h57

Num instante em que Dilma imagina que tudo está ruim —o Lula virando ex-Lula, o PT aderindo à oposição, o marqueteiro Santana na cadeia, o ex-líder Delcídio suando o dedo, a Andrade Gutierrez iluminando as arcas de 2014, a OAS costeando o alambrado, a Odebrechet coçando a língua— vem o PMDB à boca do palco para informar que o ruim ficará muito pior. Diante do esfarelamento do governo, o principal aliado do Planalto esclarece que, em vez de ajudar Dilma, prefere substitui-la, acomodando na cadeira dela o vice Michel Temer, reconduzido ao comando do partido.

Na convenção nacional do PMDB, realizada neste sábado, Dilma apanhou indefesa. E o partido marcou data para deliberar sobre a proposta de rompimento com o governo: até 30 dias. A fixação do prazo de um mês impõe à cena uma certa ponderabilidade cômica. Como a do sujeito que diz que vai quebrar a cara do outro, mas leva tanto tempo para levantar da cadeira que acaba comprometendo a seriedade da ameaça.

Porém, o PMDB aprovou também uma moção proibindo seus filiados de aceitar cargos no governo, sob pena de expulsão. Fez isso numa hora em que Dilma promete enviar ao Diário Oficial a nomeação do deputado Mauro Lopes (PMDB-MG) para a pasta da Aviação Civil. É como se o partido desejasse realçar que fala tão sério que, contrariando sua natureza fisiológica, passou a recursar cargos.

O PMDB já demonstrou que pode ser a favor de tudo e contra qualquer outra coisa. Mas, no momento, parece decidido a provar que está contra Dilma e a favor de si mesmo. Enxerga na crise a perspectiva de trocar as seis cadeiras que ocupa na Esplanada pela poltrona de presidente da República, à qual Michel Temer chegaria pela via do impeachment.

Se fosse possível ao brasileiro ficar sentado de frente para um ponto imóvel da política nacional por um tempo indeterminado, veria acontecer de tudo, além de perceber que o PMDB passaria várias vezes, em várias direções —todas elas conduzindo para um mesmo lugar: o poder.

Considerando-se o faro do PMDB, se a legenda toma distância da presidente da República, é porque passou a enxergar na impotência de madame uma oportunidade a ser aproveitada. Dilma ainda dispõe de dois anos e nove meses de mandato. Mas o PMDB trata sua gestão como um cadáver esperando na fila para acontecer.

Neste domingo, o asfalto roncará. Se o ronco for alto, o PMDB, depois de usufruir de todas as benesses que o poder compartilhado lhe ofereceu, desembarcará da parceria com o PT em grande estilo, como um navio que abandona os ratos. Ninguém está prestando muita atenção. Mas personagens como Eduardo Cunha e Renan Calheiros continuam a bordo do PMDB. Ao discursar, Michel Temer disse que um dos objetivos do PMDB é "resgatar os valores da República." A promessa só vale até certo ponto. O ponto de interrogação.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.