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Josias de Souza

Para PSDB, delação boa é contra moral alheia

Josias de Souza

16/03/2016 04h53

Para o PSDB e seus aliados oposicionistas, a delação de Delcídio Amaral só merece crédito até certos pontos. Os pontos em que ele denuncia a corrupção praticada por Dilma, Lula, o petismo e seus sócios. Nesses trechos, Delcídio é tão verdadeiro que ajudará a derrubar a presidente da República. No entanto, nos pedaços da delação em que aponta o dedo na direção do tucano Aécio Neves, o delator passa a ser mentiroso e caluniador. Não merece o mínimo crédito.

As reações da oposição à delação de Delcídio, divulgada na íntegra pelo STF nesta terça-feira, dão uma ideia do oportunismo com que os rivais do Planalto manipulam a moralidade alheia. Fazem barulho com os pedaços convenientes das denúncias do ex-líder do governo. E dedicam o silêncio das catacumbas aos trechos que mencionam Aécio. Alega-se que o PT sempre tentou misturar as coisas para igualar todos à sua abjeção.

No momento, o melhor que a Procuradoria-Geral da República poderia fazer é misturar as coisas, para ver quem sobrevive às investigações. Aécio disse numa entrevista: "Defendo que tudo seja apurado, investigado em profundidade. É isso que vai separar o que eventualmente é verdadeiro daquilo que é falso, daquilo que é uma tentativa de nivelar a todos." O procurador-geral Rodrigo Janot deveria dar ouvidos ao senador. A oposição renderia homenagens à coerência se enviasse um ofício a Janot cobrando a abertura de um inquérito sobre Aécio.

Num trecho de sua delação, Delcídio, um ex-tucano que foi diretor da Petrobras na gestão FHC, disse ter tomado conhecimento de um esquema de corrupção montado em Furnas. Comandava-o Dimas Toledo, um diretor da estatal elétrica nomeado no governo tucano. Numa viagem a Campinas, Lula perguntou a Delcídio quem era Dimas. O senador respondeu que se tratava de "um companheiro do setor elétrico, muito competente."

Ao explicar as razões de sua curiosidade, Lula declarou, segundo o relato de Delcídio: "Eu assumi e o Janene veio me pedir pelo Dimas, depois veio o Aécio e pediu por ele. Agora o PT, que era contra, está a favor. Pelo jeito ele está roubando muito." Instado a dizer quem recebia dinheiro sujo de Furnas, Delcídio disse que Aécio, com certeza, estava entre os beneficiários.

Os relatos sobre a roubalheira de Furnas são quase tão antigos quanto a primeira missa. Roberto Jefferson começou a se transformar na bomba que implodiu o mensalão depois que perdeu uma disputa pela diretoria de Furnas, que era pilotada por Dimas Toledo. Deu-se em 2005. O personagem estava na poltrona havia 12 anos. Tornara-se um provedor pluripartidário. Sob Lula, passara a prover propinas também às arcas petistas, geridas à época pelo notório Delúbio Soares.

Excluído da boquinha, Jefferson cobrou a substituição de Dimas. Desatendido, encontrou pretextos para acender o pavio do mensalão. Desde então, Furnas frequenta o notíciario como uma linha de transmissão para a corrupção por ser investigada a sério. Algo criterioso, não os simulacros de inquérito feitos até aqui. Chegou a hora. Vamos lá, doutor Janot, "em profundidade", como sugere Aécio.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.