Topo

Josias de Souza

Lula, a bala de prata de Dilma, saiu pela culatra

Josias de Souza

22/03/2016 03h58

Cinco dias depois de Dilma disparar sua bala prateada contra o impeachment, os próprios petistas reconhecem: a nomeação de Lula como ministro-chefe da Casa Civil saiu pela culatra. O governo radicalmente outro que o disparo pretendia criar não veio. Dissemina-se no Planalto e nos partidos supostamente governistas a impressão de que o momento para uma virada radical de expectativas já passou.

Dilma e seus devotos já não podem contar com a retórica do vamos lá, companheiros, para contrapor à realidade do mesmo governo descoordenado de sempre. Tudo ficou muito escancarado. Faltou algo que é essencial para o êxito de qualquer articulação política: o recato.

Lula virou ministro para asilar-se no STF. A plateia percebeu a manobra instantaneamente. Segundo o Datafolha, 68% dos brasileiros concluíram que o investigado só aceitou o cargo para fugir de Sérgio Moro. E 73% avaliaram que Dilma agiu mal ao oferecer refúgio no Planalto para o antecessor enroscado.

Sem outra alternativa, Sérgio Moro remeteu os autos sobre Lula para Brasília. Antes de abrir mão do caso, porém, o juiz levantou o sigilo do processo, disparando uma rajada de grampos que fez de Lula um cadáver político. O ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu os efeitos da posse. E devolveu o corpo ao juiz-legista da 'República de Curitiba'.

Na noite desta segunda-feira, o cadáver político de Lula jantou no Alvorada com Dilma e auxiliares. Mastigaram dados amargos. Pelas contas do Planalto, será renhida a disputa na comissão que processa o impeachment na Câmara. Há chances reais de derrota. O governo já se equipa para tentar reverter no plenário.

A liminar de Gilmar Mendes pode sobreviver à Páscoa, esticando e aprofundando o desgaste. Tomado pelo que diz em privado, nem Lula se apega mais ao mito de Lula. Ele também está, pragmaticamente, escolhendo o discurso do possível: ou o governo segura o PMDB ou será difícil deter a derrocada. E o PMDB, que fareja a perspectiva de poder que exala de Temer, parece não querer nem conversa.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.