Até onde Odebrecht deixará o melado escorrer?
Na nota que a Odebrecht divulgou para anunciar que seus executivos suarão o dedo na Lava Jato, o caminho da pólvora está esboçado em dois trechos. Num, a empreiteira informa que proporcionará aos investigadores uma "colaboração definitiva". Noutro, insinua que ajudará a escancarar "a existência de um sistema ilegal e ilegitímo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país." Se a maior construtora do país estiver falando sério, o Planalto Central está na bica de virar uma espécie de Papuda hipertrofiada.
A delação coletiva da Odebrecht deveria começar por um pedido de desculpas individual do seu presidente, Marcelo Odebrecht. Em outubro de 2013, quando a construtora foi jogada no ventilador da Lava Jato pela primeira vez, o príncipe da construção pesada divulgou uma nota. Nela, fez pose de vítima.
Marcelo Odebrecht escreveu: "Neste cenário nada democrático, fala-se o que se quer, sem as devidas comprovações, e alguns veículos da mídia acabam por apoiar o vazamento de informação protegida por lei, tratando como verdadeira a eventual denúncia vazia de um criminoso confesso que é 'premiado' por denunciar a maior quantidade possível de empresas e pessoas."
O tempo passou. Oito meses depois, Marcelo Odebrecht estava preso em Curitiba. Acomodado no banco da CPI da Petrobras, foi tratado pelos parlamentares com uma fidalguia cúmplice. Sentiu-se à vontade para desafiar a paciência alheia. Disse que jamais seria um delator porque não tinha o que delatar.
Diante das câmeras, Marcelo Odebrecht evocou suas duas filhas para manifestar a aversão que nutre (ou nutria) pelo papel de dedo-duro. "Se elas brigassem, eu perguntasse quem começou, e uma dedurasse a outra, eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com aquela que fez o fato."
Agora, cercado pela força-tarefa da Lava Jato e já condenado pelo juiz Sérgio Moro a 19 anos de cana, Marcelo Odebrecht, como o sapo de Guimarães Rosa —que pula por precisão, não por boniteza— percebeu que era hora de exercitar o dedo. Sob pena de repetir no petrolão o drama vivido no mensalão pela banqueira Kátia Rabelo e pelo operador de arcas clandestinas Marcos Valério, que foram enviados à cadeia pelo STF com as maiores penas .
O problema é que a Odebrecht achega-se ao guardachuva da delação com grande atraso. Os investigadores já apalparam até as provas da existência de um departamento de propinas na construtora. Avisam que, para obter benefícios judiciais, os executivos da Odebrecht terão de contar coisas que a Polícia Federal e a Procuradoria ainda não saibam.
Um dos integrantes da força-tarefa da Lava Jato disse ao blog que estranhou o trecho da nota da Odebrecht em que a construtora anuncia seu interesse em colaborar a despeito de não ter "responsabilidade dominante sobre os fatos apurados na Operação Lava Jato." É como se repetisse, com outras palavras, a tese segundo a qual as empreiteiras não são corruptoras, mas vítimas de extorsão praticada por prepostos que os políticos acomodam na engrenagem do Estado. "Se vierem com essa conversa fiada, não tem acordo", diz o investigador.
Dependendo do que Marcelo Odebrecht e seus executivos disserem, os depoimentos podem deslocar pedaços da investigação de Curitiba para Brasília. Espera-se que pinguem dos seus lábios, por exemplo, detalhes sobre as conexões monetárias da construtora com as arcas do comitê Dilma-2014, com o Instituto Lula, com a empresa de palestras do ex-presidente petista e com o célebre sítio de Atibaia.
De resto, flutuam na atmosfera tensa de Brasília um lote de perguntas: a Odebrecht jogará a oposição na frigideira? E quanto ao PMDB do vice-presidente Michel Temer? Logo, logo o país saberá até onde a Odebrecht está disposta a deixar o melado escorrer.
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