Topo

Josias de Souza

STF afasta Cunha, mas o impensável e o lamentável ainda constrangem a nação

Josias de Souza

05/05/2016 10h46

Num rasgo de sensatez, o ministro Teori Zavascki, do STF, afastou Eduardo Cunha do exercício do seu mandato e, em consequência, da presidência da Câmara. Na prática, extirpou-se tardiamente o inacreditável da linha sucessória da nação. Mas a providência não desobriga o brasileiro de acender velas pela saúde de Michel Temer, o virtual presidente da República.

Dado como fava contada, o afastamento de Dilma Rousseff pelo Senado guindará Temer ao topo da hierarquia nacional. Tomado pela pesquisa mais recente do Datafolha, o vice é visto como um presidente indesejável por 60% dos brasileiros. Ainda assim, convém rezar por ele.

Deve-se levar em conta que o comando da Câmara passará às mãos do vice de Cunha, Waldir Maranhão, e que Renan Calheiros continua presidindo o Senado. Ambos são investigados na Lava Jato. Quer dizer: se alguma coisa acontece com o indesejável, assumirá em seu lugar o impensável da Câmara, cujo sucessor direto será o lamentável do Senado.

A decisão de Teori Zavascki cobre de vergonha a Câmara, que se revelou incapaz de eliminar a bactéria que a transformou numa Casa infeccionada. O vexame salta de três pedaços do despacho do ministro do STF.

Num trecho, Teori realça que Cunha no Planalto seria um escracho: "…Não há a menor dúvida de que o investigado não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da República, já que figura na condição de réu no Inq 3983, em curso neste Supremo Tribunal Federal."

Noutro trecho, Teori aponta para a desmoralização da Câmara: "Os elementos fáticos e jurídicos aqui considerados denunciam que a permanência do requerido, o deputado federal Eduardo Cunha, no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de Presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada. Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas. Pelo contrário, o que se extrai de um contexto constitucional sistêmico, é que o exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da Constituição, sobretudo a que está manifestada nos princípios de probidade e moralidade que devem governar o comportamento dos agentes políticos."

Na sequência, Teori constata a ineficiência do Conselho de Ética da Câmara: "O Ministério Público aponta, também, pelos elementos fáticos trazidos aos autos, que há interferência constante, direta e explícita no andamento dos trabalhos do Conselho de Ética, que visam a julgar o requerido por suposta quebra de decoro parlamentar acerca de fatos relacionados com os investigados nesta Corte e já aqui descritos. O requerido defende-se no sentido de que são todas questões interna corporis da Casa Legislativa. Realmente, não cabe ao Judiciário, em princípio, fazer juízo sobre questões dessa natureza. Mas não é disso que aqui se trata. O que aqui interessa é a constatação de que, objetivamente, a citada Comissão de Ética, ao contrário do que geralmente ocorre em relação a outros parlamentares, tem-se mostrado incapaz de desenvolver minimamente as suas atribuições censórias em relação ao acusado."

A esse ponto chegamos: o STF fez por pressão o que a Câmara deixou de realizar por obrigação. Cabe agora aos deputados tomar um par de providências: 1) Cassar rapidamente o mandato de Eduardo Cunha, que o STF apenas suspendeu. Com isso, abre-se o prazo de cinco sessões legislativas para a eleição de um novo presidente. 2) Encontrar um substituto decente para o lugar de Waldir Maranhão, o impensável.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.