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Josias de Souza

Novo presidente da Câmara foi pilhado intermediando transações com doleiro

Josias de Souza

07/05/2016 04h19

A decisão do STF de afastar Eduardo Cunha do exercício do mandato e da presidência da Câmara trouxe alívio e apreensão. Retirou da linha de sucessão da Presidência da República um personagem que faz da Câmara "um balcão de negócios", representa "risco para as investigações" da Lava Jato e "conspira contra a própria dignidade da instituição." Mas trouxe à boca do palco outro deputado duro de roer: Waldir Maranhão (PP-MA). Vem a ser o número dois da mesa diretora da Câmara. Membro da milícia parlamentar de Cunha, é ele quem está no comando.

Waldir Maranhão responde a um par de inquéritos no STF —ambos por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro. Num esquema, revelado pela Lava Jato, o substituto de Cunha foi citado pelo doleiro-delator Alberto Yousseff, preso em Curitiba, como um dos parlamentares do PP "cuja posição era de menor relevância dentro do partido e que recebiam entre R$ 30 mil e R$ 150 mil por mês" de mesada proveniente do petrolão.

Noutro esquema, desbaratado pela Operação Miqueias, uma parceria da Polícia Federal com o Ministério Público do Distrito Federal, o substituto interino de Cunha foi pilhado relacionando-se com outro doleiro: Fayed Traboulsi, preso em 2013 sob a suspeita de fraudar fundos de pensão de Estados e municípios em mais de R$ 300 milhões por meio da venda de títulos podres. A voz do deputado soou em interceptações telefônicas feitas com autorização judicial. Nelas, Maranhão conversa com o doleiro sobre os negócios tachados pela PF de ilegais.

A revista Veja veiculou em seu site o áudio de três diálogos do deputado com o doleiro. Foram capturados em 2012. Quem ouve fica com a sensação de que Waldir Maranhão, agora no comando da Câmara, agia como um funcionário subalterno de Fayed Traboulsi. Ele marca encontros do doleiro com prefeitos. Opera como farejador de oportunidades para a quadrilha de Fayed aproveitar. O deputado era remunerado pela quadrilha.

Num dos diálogos, de 8 de novembro de 2012, Waldir Maranhão promove a aproximação de Fayed Traboulsi com o então prefeito eleito de Campo Grande (MS), Alcides Bernal (PP). O doleiro mirava o fechamento de negócios com a prefeitura.

Doleiro – Fala, meu querido!

Deputado – Meu irmão!

Doleiro – Tudo bem, irmão?

Deputado – Veja só: o Bernal está em Brasília e deixei o Luís Carlos aí com a missão de levá-lo ao seu encontrou, viu?

Doleiro – Pois é, estou aguardando eles, inclusive. O Luís Carlos disse que tá com ele aí, né?

Deputado – Como eu vim para o Tocantins, eu tratei só por telefone, mas tá caminhando, viu?

Doleiro – Tá. Então eu fico no aguardo. Eles vêm agora à tarde, né

Deputado – É interessante a sua conversa.

Duas semanas depois do encontro entre o prefeito de Campo Grande e o doleiro, Waldir Maranhão volta a intermediar, em 21 de novembro de 2012, um encontro entre dois. Na mesma conversa, que pode ser escutada abaixo, Waldir Maranhão avisa ao doleiro que estava 'ok' um 'negócio' na cidade de Marabá (PA).

Doleiro – Fala, chefe.

Deputado – Meu irmão, tudo bem?

Doleiro – Tudo.

(…)

Deputado – Deixa eu lhe dizer: amanhã quem vai estar aqui é o Bernal, lá de Campo Grande. Já teve com ele, né?

Doleiro – Já, sim. Eu já estive conversando da outra vez com ele. Mas eu tô indo pra São Paulo às oito horas da manhã e volto às duas da tarde.

Deputado – Eu acho assim: se você tiver um tempinho, à noite, eu acho que vale a pena convidá-lo para ter uma conversa social, tá? Uma sugestão, uma sugestão, tá?

Doleiro – Claro, claro (…) Amanhã eu vou te ligar assim que eu chegar aqui em Brasília eu te ligo para você ou fazer contato com ele ou me dar o telefone dele pra mim falar com ele, tá?

Deputado – Eu vou te passar logo o telefone dele porque um convite seu é diferente, viu?

Doleiro – Pois eu estou sem poder anotar aqui.

Deputado – De manhã eu te passo, então. Outra coisa: Marabá ok, fechado.

Doleiro – Beleza. O meu pessoal tá lá já.

Deputado – Tá fechado lá. Agora, só as providências

Noutro grampo, gravado em 26 de novembro de 2012, o agora presidente da Câmara soa como se fizesse as vezes de secretário do doleiro. Fayed cobra encontro que Maranhão se comprometera a providenciar.

Doleiro – Fala meu deputado, tudo bem?

Deputado – Oi meu irmão! Tudo bem?

Doleiro – Confirmou para amanhã a nossa reunião?

Deputado – Nós estamos trabalhando…

Doleiro – Porque você tinha me falado que seria amanhã.

Deputado – Eu tô aí amanhã. Ele me disse que 'taria' amanhã aí, viu? Eu vou checar. Ele me disse que estaria aí amanhã.

Doleiro – Dá uma checada que eu já tô aqui de prontidão para conversar com ele.

Deputado – Tranquilo, viu? Eu amanheço aí. Mas eu confirmo com ele.

Doleiro – Se eu tiver que voltar lá eu volto. Não tem problema, não, também.

Deputado – Tranquilo, eu tô antenado.

Nem só da venda de títulos podres era feito o faturamento da quadrilha. No diálogo abaixo, interceptado pela PF em 6 de dezembro de 2012, o doleiro Fayed aciona Maranhão para convencer um prefeito aliado a liberar um pagamento graúdo. Coisa relacionada à merenda escolar.

Doleiro – Você tava com o prefeito Maurinho?

Deputado – É. Deixa eu te dizer: ele vai estar comigo. Eu estive com ele ontem. E ele vai estar hoje à noite aí. Eu vim a São Paulo.

Doleiro – Eu precisava me encontrar com você e com ele.

Deputado – Ok, eu organizo.

Doleiro – Mas você organiza para hoje à noite sem falta?

Deputado – Eu ligo. Ok. Eu saio daqui a umas três horas. Ao chegar eu te ligo pra gente articular. Viu?

Doleiro – Eu estou com uma pessoa que tem um negócio pra receber lá e parece que o negócio é grande e a gente consegue fazer um negócio bom aí.

Deputado – Ok.

Doleiro – É uma merenda que o cara fornece lá. Uma merenda escolar. Você tá sabendo?

Deputado – Eu tô sabendo. Aí, chegando a gente articula.

Doleiro – O cara tá na minha mão. A gente consegue resolver isso.

Deputado – Tranquilo, viu?

Quando aprovaram por unanimidade o afastamento de Eduardo Cunha, os ministros do STF não ignoravam que Waldir Maranhão seria alçado à poltrona de presidente da Câmara. Livraram a Câmara de um constrangimento na expectativa de que os deputados fossem despertados para a necessidade de higienizar a mesa diretora da Casa. Mesmo na cúpula do PP, o partido de Waldir Maranhão, há o reconhecimento de que o deputado não tem estatura para presidir a Câmara. Não há muitas alternativas. Ou a Câmara encontra um caminho para eleger um presidente menos precário ou manda alguém rebaixar o pé-direito.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.