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Josias de Souza

Lula amou muito o desastre. E foi correspondido

Josias de Souza

15/05/2016 03h39

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"Eu vou pra casa", limitou-se a declarar Lula aos repórteres que tentaram arrancar dele uma reação qualquer ao afastamento de Dilma da poltrona de presidente da República. Habituado a ouvir o personagem durante vários anos, o país ficou sabendo que Lula, a caminho do automóvel após testemunhar a saída de sua criatura do Palácio do Planalto, não tinha nada a dizer. Por um instante, nada foi uma palavra que ultrapassou tudo.

Lula poderia ter dito muitas coisas. Por exemplo: "Escolher Dilma como candidata em 2010 foi um grande erro. Renovar a escolha em 2014 foi uma temeridade." Ou: "Jamais deveríamos ter permitido a conversão da rotina em escândalo." Ou ainda: "Onde estávamos com a cabeça quando trocamos a responsabilidade fiscal pelo malabarismo econômico?"

Lula poderia ter feito um mea-culpa. Algo assim: "Depois de tudo o que ocorreu no caso do mensalão, eu não poderia ter avalizado a nomeação de petrogatunos para a diretoria da Petrobras. Pagamos agora a conta da longevidade de um poder promíscuo."

Lula poderia ter despejado dados sobre os gravadores e os microfones dos repórteres: "Na era petista, todos os estratos sociais prosperaram. A renda dos 10% mais pobres subiu 129% acima da inflação. A dos 10% mais ricos aumentou 32%. Mas a ruína econômica mastiga esses ganhos."

Lula poderia ter recorrido às lamúrias: "O Brasil usufruiu como poucos do chamado ciclo das commodities. Mas lamento não ter feito as reformas estruturais. Lamento também não ter impedido a manobra das pedaladas fiscais, que maquiaram a realidade em meio a uma gastança que, se reelegeu a Dilma, criou o pretexto para derrubá-la."

Lula poderia ter constatado que, em 13 anos, ajudou o PT a protagonizar o caso mais dramático de flexibilização das fronteiras ideológicas. Dormiu de um lado e acordou do outro lado, de mãos dadas com Sarney, Renan, Cunha, Collor e o imenso etcétera que cavou a sepultura do impeachment.

Lula poderia ter dito como se sente na pele de alvo da PF, do STF e do juiz Sérgio Moro. Antes de entrar no carro, Lula poderia ter gritado para os repórteres: "Eu amei profundamente o desastre. E fui correspondido."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.