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Josias de Souza

PT presume que o Brasil é uma nação de bobos

Josias de Souza

18/05/2016 03h04

O diretório nacional do PT aprovou nesta terça-feira (17) sua primeira análise sobre a conjuntura que resultou na destituição de Dilma. O documento tem dez folhas. Elas revelam que sucede com o PT um fenômeno curioso. O partido se considera uma coisa. Mas sua reputação informa que virou outra coisa. O PT ainda se acha a legenda mais maravilhosa do Brasil. O Brasil é que não sabe.

Para a grossa maioria dos brasileiros, não há nada mais saudável no momento do que a Lava Jato. Para o PT, a operação que quebrou as pernas da oligarquia política e empresarial corrupta não passa de um puxadinho do "golpe". Vale a pena ler um trecho da peça petista:

"A Operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista. Alicerçada sobre justo sentimento anticorrupção do povo brasileiro, configurou-se paulatinamente em instrumento político para a guerra de desgaste contra dirigentes e governantes petistas, atuando de forma cada vez mais seletiva quanto a seus alvos, além de marcada por violações ao Estado Democrático de Direito."

O texto prossegue: a operação "tem funcionado como mecanismo de contrapropaganda para mobilização das camadas médias, em associação com os monopólios da comunicação. Revela, por fim, o alinhamento de diversos grupos do aparato repressivo estatal – delegados, procuradores e juízes – com o campo reacionário, associados direta ou indiretamente às manobras do impeachment."

Todo brasileiro dotado de dois neurônios já se deu conta de que o PT no poder roubou e deixou que roubassem. Mas, no enredo petista, o partido é uma espécie de mocinho ingênuo que foi capturado pelos bandidos. Diz o texto do PT: "Acabamos reféns de acordos táticos, imperiosos para o manejo do Estado, mas que resultaram num baixo e pouco enraizamento das forças progressistas, ao mesmo tempo em que ampliaram, no arco de alianças, o poder de fogo de setores mais à direita."

Nessa versão, os assaltantes infectaram o PT como quem transmite uma gripe: "…fomos contaminados pelo financiamento empresarial de campanhas, estrutura celular de como as classes dominantes se articulam com o Estado, formando suas próprias bancadas corporativas e controlando governos. Preservada essa condição mesmo após nossa vitória eleitoral de 2002, terminamos envolvidos em práticas dos partidos políticos tradicionais, o que claramente afetou negativamente nossa imagem e abriu flancos para ataques de aparatos judiciais controlados pela direita."

Noutros tempos, o petismo se vangloriava de ter equipado os aparatos de controle do Estado. Agora, o PT parece atribuir o sucesso da força tarefa da Lava Jato a um descuido histórico: "Fomos descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal…"

Na economia, anotou o PT, a crise internacional empurrou Dilma para "uma encruzilhada: acelerar o programa distributivista, como havia sido defendido na campanha da reeleição presidencial, ou aceitar a agenda do grande capital, adotando medidas de austeridade sobre o setor público, os direitos sociais e a demanda, mais uma vez na perspectiva de retomada dos investimentos privados." Dilma optou pela agenda do "grande capital", concluiu o PT.

Deu-se, em verdade, outra coisa. A ruína econômica foi um produto nacional, não um bicho-papão que veio de fora. Reeleita, Dilma tinha diante de si uma crise que negara na campanha e três ministros da Fazenda: um demitido, mas mantido no cargo (Guido Mantega); um sugerido por Lula, mas refugado por ela (Henrique Meirelles); e outro que, convidado, não aceitou (Luiz Carlos Trabuco). Madame acabou contentando-se com Joaquim Levy, um colega de Trabuco no Bradesco, que havia assessorado o comitê eleitoral do adversário Aécio Neves.

Para o PT, Levy levou o governo ao inferno. "O ajuste fiscal, além de intensificar a tendência recessiva, foi destrutivo sobre a base social petista, gerando confusão e desânimo nos trabalhadores, na juventude e na intelectualidade progressista, entre os quais se disseminou a sensação, estimulada pelos monopólios da comunicação, de estelionato eleitoral. A popularidade da presidenta rapidamente despencou…"

Nesse ponto, o texto do PT contém uma mentira, uma meia-verdade e um fato inquestionável. A mentira é o ajuste fiscal. Nunca foi feito. Dilma e seus supostos aliados no Congresso não deixaram. A meia-verdade é a classificação do estelionato como mera "sensação". Não se estava diante de um indício de fraude eleitoral, mas de uma certeza. O fato concreto foi o derretimento da popularidade da presidente. Não há popularidade sem prosperidade.

O PT informa que, entre outros objetivos, trabalhará para "deter o golpe" contra Dilma e "defender o presidente Lula dos ataques midiáticos e judiciais que contra ele se levantam." Na lenda petista, está em curso uma trama para condenar Dilma sem crime e promover "a interdição de Lula como alternativa viável nas eleições de 2018."

No mundo real, o Senado se prepara para tranformar Dilma em protagonista do segundo caso de impeachment da história do Brasil e o procurador-geral da República Rodrigo Janot  aguarda uma posição do STF sobre a denúncia que formulou dias atrás contra Lula no petrolão. "Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse", disse Janot.

O PT foi seletivo no seu documento. Não disse palavra sobre o mensalão nem sobre sua reincidência no petrolão. Nenhuma menção à cúpula petista que passou pela Papuda ou aos Dirceus, Vaccaris e Santanas que estão atrás das grades em Curitiba. O problema com as encrencas varridas para baixo do tapete é que o partido continua a viver em cima do tapete. E a Lava Jato ensina que o acobertado nem sempre fica quieto.

É tudo muito ruim. Mas o pior crime do PT talvez seja a presunção de que o Brasil ainda é uma nação de bobos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.