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Josias de Souza

Reservada para o PP, Caixa destoa da despolitização feita na área econômica

Josias de Souza

22/05/2016 04h30

No discurso inaugural do seu governo provisório, Michel Temer declarou, há dez dias, que "a moral pública será permanentemente buscada" na sua gestão. Referiu-se à Lava Jato como "referência" em matéria de apuração de desvios. Por isso, realçou, a operação "deve ter proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la."

Observando-se os personagens de que se cercou o novo presidente, fica difícil ouvi-lo falar em "moral pública" sem reprimir o sorriso. É como se a caneta de Temer conspirasse para fazer dele um farsante. Ela toma a Lava Jato como "referência" às avessas. Depois de nomear ministros enrolados no escândalo, prepara-se para colocar no comando da Caixa Econômica Federal um apadrinhado do PP.

PP é a sigla de Partido Progressista. Mas poderia se chamar Partido do Petrolão. Considerando-se a quantidade de filiados sob investigação —mais de três dezenas—, a legenda está no topo do ranking da Lava Jato. Ainda assim, o PP já foi aquinhoado com os ministérios da Saúde (deputado Ricardo Barros) e da Agricultura (senador Blairo Maggi).

Numa tentativa de justificar o acréscimo da presidência da Caixa ao butim do PP, auxiliares de Temer alegam que o partido indicou para o posto um funcionário de carreira da instituição bancária estatal. Chama-se Gilberto Occhi. Sob Dilma, ele serviu ao PP como ministro das Cidades entre 17 de março de 2014 e 1º de janeiro de 2015. Passou também pela pasta da Integração Nacional.

Pouco antes votação do impeachment na Câmara, Occhi entregou a Dilma uma carta de demissão do cargo de ministro. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), um dos encalacrados na Lava Jato, encostou a barriga no balcão de Temer. Vendeu sua suposta lealdade à presidente petista por dois ministérios e o comando da Caixa.

Antes de entregar o controle da Caixa Econômica Federal ao "servidor de carreira" do PP, Temer deveria requisitar cópia do depoimento prestado pelo delator Paulo Roberto Costa ao doutor Sérgio Moro em outubro de 2014. Funcionário de carreira da Petrobras, Paulo Roberto tornou-se diretor de Abastecimento da estatal por indicação do PP.

Se estiver sem tempo, Temer pode se concentrar apenas na última pergunta que o juiz da Lava Jato fez ao delator. Lendo-a, o presidente interino perceberá que o lero-lero do "servidor de carreira" está com o prazo de validade vencido. Antes de dar por encerrado o interrogatório, Sérgio Moro perguntou se Paulo Roberto gostaria de "dizer alguma coisa".

Eis o que disse o delator: "Queria dizer só uma coisa, Excelência. Eu trabalhei na Petrobras 35 anos. Vinte e sete anos do meu trabalho foram trabalhos técnicos, gerenciais. E eu não tive nenhuma mácula nesses 27 anos. Se houve erro —e houve, não é?— foi a partir da entrada minha na diretoria por envolvimento com grupos políticos, que usam a oração de São Francisco, que é dando que se recebe. Eles dizem muito isso. Então, esse envolvimento político que tem, que tinha, depois que eu saí não posso mais falar, mas que tinha em todas as diretorias da Petrobras, é uma mácula dentro da companhia…"

Convidado por Temer na semana passada para presidir a Petrobras, o engenheiro Pedro Parente, ex-chefe da Casa Civil do governo FHC, impôs uma condição. Foi atendido. Na entrevista coletiva que concedeu na sequência, Parente informou a boa nova aos repórteres: "Não haverá indicações políticas na Petrobras." O acerto será reproduzido no BNDES, cujo comando foi confiado a uma executiva respeitada: Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional. Por que diabos será diferente na Caixa?

Governar o Brasil não é tão ruim quanto parece. O horário é bom, o dinheiro é razoável, viaja-se muito e há sempre a possibilidade de poder demitir o Romero Jucá da pasta do Planejamento e retirar o André Moura da liderança do govenro na Câmara, providências que devem resultar em boas sensações. Nos seus primeiros dez dias, Temer ofendeu a inteligência alheia ao trombetear a "moral pública" sob o telhado de vidro. Se levar adiante o plano de entregar a Caixa ao indicado do PP, Temer convidará a nação a fazer papel de boba. Não será atendido.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.