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Josias de Souza

Fala de Temer sobre Lava Jato ficou irrelevante

Josias de Souza

01/06/2016 14h51

Ao empossar os novos presidentes de estatais e bancos públicos, Michel Temer reiterou sua posição sobre a Lava Jato. "Quero revelar, pela enésima vez, que ninguém vai interferir na chamada Lava Jato", disse. Repetida à exaustão, a frase do presidente interino tornou-se irrelevante. Por duas razões:

1. As gravações captadas pelo autogrampo do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado mostraram que Temer está cercado de aliados que adorariam firmar um "pacto" para "estancar a sangria" da Lava Jato. Algo que envolvesse "o Supremo". Ficou entendido que o governo e seus devotos não interferem na investigação porque não conseguem. A Lava Jato virou uma força da natureza. Quem apoia está afinado com as ruas. Quem se opõe está contra o desejo majoritário da sociedade.

2. No curto intervalo de uma semana, os áudios de Sérgio Machado carbonizaram dois ministros de Temer: Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência). Ambos foram demitidos pelos fatos, não pelo presidente interino. Caíram porque soaram nas fitas como inimigos do meio-fio. Hoje, ainda que Temer usasse um button na lapela —'I Love Lava Jato'— não seria levado a sério. Se quisesse mesmo prestigiar a investigação, o presidente não se cercaria de suspeitos e de prepostos de investigados.

"Toda hora leio uma ou outra notícia que o objetivo é derrubar a Lava Jato", discursou Temer na solenidade. "Por isso que eu tomo a liberdade, sem nenhum deboche, de dizer, pela enésima vez, que não haverá a menor possibilidade de qualquer interferência do Executivo nessa matéria."

É dura a vida de Michel Temer. Toda hora lê o que não quer porque nomeou quem bem quis. Entre os empossados desta quarta-feira, por exemplo, está Gilberto Occhi, novo presidente da Caixa Econômica Federal. Trata-se de um indicado do PP, uma legenda que frequenta os inquéritos da Lava Jato com o maior número de acusados: 31.

Occhi é funcionário concursado da Caixa, argumentam os auxiliares de Temer. Os diretores enrolados da Petrobras também eram técnicos de carreira, informam os autos da Lava Jato. Desvirtuaram-se depois que os partidos foram acomodados dentro do cofre. Sem poderes para intervir nas investigações, Temer deveria interferir no seu próprio governo. Um presidente que seleciona auxiliares com tanto desmazelo fabrica crises a partir do nada.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.