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Josias de Souza

Dilma escora defesa em delator e mídia golpista

Josias de Souza

03/06/2016 04h11

Antonio Cruz/ABr

Dilma Rousseff não respeita delator e despreza a 'mídia golpista', exceto em ocasiões excepcionais —como terremoto de amplitude pessoal, tsunami de âmbito partidário e risco de soterramento definitivo de uma presidência.

Na comissão do impeachment, esgotados todos os estratagemas que poderia invocar para atingir seus subterfúgios, Dilma escorou sua defesa nas gravações do delator do PMDB Sérgio Machado. Enquanto a delação permanece sob sigilo, Dilma fia-se nos trechos trazidos à luz por duas logomarcas que o petismo identifica como signos do golpismo midiático: Folha e TV Globo.

A esse ponto chegou Dilma: não admite que o apodrecimento do governo, evidenciado pela Lava Jato, seja invocado pelos partidários do impeachment. Mas recorre a um delator e à mídia, tudo o que mais abomina, para exigir que os áudios que expõem a putrefação do pedaço do PMDB que lhe dava suporte congressual sejam tomados como trampolim para o seu retorno.

No novo enredo de Dilma, o PMDB tramou o "golpe" com o deliberado propósito de paralisar a Lava Jato tão logo Michel Temer assumisse o poder. De fato, os cardeais Romero Jucá e José Sarney vocalizam esse sonho nas fitas de Sérgio Machado. Mas falta divulgar os trechos em que a dupla afirma acreditar em Papai Noel.

Relator do impeachment, o senador tucano Antonio Anastasia rejeitou o pedido da defesa de Dilma para incluir no processo a delação de Machado, um ex-presidente da Transpetro que Lula nomeou e que madame permitiu que apodrecesse no cargo. Negou também a oitiva de especialistas, uma perícia e uma auditoria contábil internacional nas mumunhas fiscais que serviram de mote para o afastamento de Dilma.

Minoritária na comissão, a bancada de Dilma esticou a sessão desta quinta-feira por quase dez horas. No final, os aliados da presidente afastada agarraram-se ao método de votação dos requerimentos —em bloco, não um por um— como pretexto para abandonar o campo de batalha, num gesto de protesto.

"Hoje, a situação chegou a um tal ponto que a defesa se retirou e senadores que não concordaram também", disse o ex-ministro petista José Eduardo Cardozo, mantido na função de advogado de Dilma. "Nós fizemos isso porque a violência contra o direito de defesa é inominável."

O líder tucano Cássio Cunha Lima ironizou: "Eles fizeram tudo para que o processo de impeachment não começasse. Agora, recorrem a todos os artifícios para tentar impedir que termine."

Simultaneamente, o ministro Teori Zavaschi, relator da Lava Jato no STF, levantou o sigilo da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Num trecho, ele declara que Dilma mentiu sobre a compra da refinaria de Pasadena. E diz supor que ela sabia que políticos petistas embolsavam petropropinas.

Em nota, Dilma negou. Cerveró frequenta o rol de delatores que ela não respeita. Considerando-se que há outros silvérios que a acusam e que Marcelo Odebrecht ainda fará a mãe de todas as delações, Dilma talvez devesse considerar a hipótese de mudar de assunto. Falar de delação na comissão do impeachment é como brincar de corda em casa de enforcado.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.