Topo

Josias de Souza

Reformas só virão após eleição, afirma Geddel

Josias de Souza

15/07/2016 02h24

O ministro Geddel Vieira Lima, coordenador político do Planalto, disse que as reformas pretendidas pelo governo de Michel Temer só virão depois da abertura das unras das eleições municipais de outubro. "Não me iludo imaginando que o parlamentar vai abandonar o processo eleitoral para manter quórum alto em Brasília. Então, as coisas devem acontecer para valer apenas depois das eleições", afirmou Geddel em entrevista ao blog. Lembrou que, antes das eleições, haverá a Olimpíada e o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff no Senado.

Para o Geddel, a vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na sucessão de Eduardo Cunha devolverá "previsibilidade" à Câmara. Avalia que o processo demonstrou que o chamado "centrão" já não existe como grupo. Não viu problemas no fato de Maia ter pedido votos ao PT. "É natural que ele tenha buscado votos em toda a Casa", disse.

Ironicamente, o ministro reconheceu que interferiu no seu partido, o PMDB, para retirar do jogo a candidatura do correligionário Marcelo Castro, que entrou na disputa na reta final, impulsionado pelo apoio de Lula.

Geddel explicou a diferença: Marcelo Castro entrou na disputa "como candidato de uma manobra petista, cuja vitória seria atribuída à articulação do Lula contra Michel Temer." Noutro trecho da conversa, declarou: "A candidatura de Marcelo Castro, que foi apresentada como uma avalanche impulsionada por Lula. Não prosperou. Não permitimos que prosperasse." Abaixo, a entrevista:

— O que muda com Rodrigo Maia na presidência da Câmara? Sob o comando de Waldir Maranhão, faltava organização e previsibilidade. O fato de passarmos a ter essa previsibilidade já é uma mudança importante. Podemos manter um diálogo. Temos agora, nas duas casas legislativas, presidentes que podem tratar dos assuntos com o governo de forma adequada, sem perder a independência do Congresso e sem comprometer a harmonia com o Executivo.

— Concorda com a tese segundo a qual o 'centrão' se esfacelou? Essa coisa está sendo tratada de forma muito superficial. Nunca tratei esse grupo como centrão. Isso é um reducionismo inadequado. Do meu ponto de vista, o que há são partidos políticos. Esses partidos, em determinado momento, se reuniram em torno da liderança importante e forte de Eduardo Cunha. Ponto. A eleição da Câmara mostrou que não havia organicidade nesse grupo.

— Acha que o resultado favoreceu o governo? O governo ganhou na hora que Rogério Rosso e Rodrigo Maia foram para o segundo turno. Ali, a vitória do governo já estava estabelecida.

— Em que medida o governo interferiu na disputa? As pessoas ficam buscando justicativas para os seus erros. E surge esse falatório de que o governo interferiu por baixo dos panos. Já vi versões de que Geddel tinha preferência por 'A' ou por 'B'.

— E não teve preferência? Eu fiz uma única interferência. Foi quando surgiu a candidatura de Marcelo Castro, do PMDB. O problema não era o candidato, mas a forma como a candidatura dele surgiu. Eu interferi no meu partido. Achava que o PMDB não deveria apresentar candidatura, para não repetir erros anteriores. A partir dali, eu sempre disse com clareza: se houvesse um segundo turno entre Rogério Rosso [PSD] e Rodrigo Maia [DEM] —ou até mesmo com Giacobo [PR]— estaria tudo em casa.

— O que deve ser feito para deter a insatisfação do PMDB? Não vamos transformar um morundum do cerrado num monte Everest de problemas. É fácil entender o que aconteceu. No final do governo Dilma, quando ela já estava no desespero, a bancada do PMDB na Câmara obteve o que quis —da interlocução prefencial até o Ministério da Saúde, Dilma dava tudo. Na nova realidade, pós-impeachment, a bancada perdeu esses espaços. E alguns deputados aproveitaram esse momento para mandar recados. Isso é página virada. Veremos quais são as insatisfações. Se for possível resolver, daremos celeridade. No mais, o tempo vai curando as feridas.

— Muitos disseram que o governo cometeu barbeiragens no processo sucessório da Câmara. O que acha? Como pode ter havido barbeiragens numa vitória como essa? A imprensa precisa definir o que diabo deseja. Há o entendimento de que governo não deve entrar nesse tipo de processo. Nós entramos apenas no que tinha que entrar. O resultado foi absolutamente satisfatório. Onde está a barbeiragem?

— Não estaria no fato de o governo ter se deixado surpreender pelo PMDB? Se isso foi uma barbeiragem, o carro balançou na pista e, rapidamente, se aprumou. Ao fim e ao cabo, restaram demonstradas para os aliados duas coisas. Primeiro, que o governo não manobrava com o PMDB. Em segundo lugar, verificou-se que o governo tem força no PMDB. A candidatura de Marcelo Castro, que foi apresentada como uma avalanche impulsionada por Lula. Não prosperou. Não permitimos que prosperasse. Acham que isso foi uma derrapada na pista molhada? Está bem. Mas o piloto imediatamente ajeitou o carro na pista. E atravessou a reta de chegada em primeiro lugar. Num processo delicado como esse, o importante é o resultado final, não as surpresas do caminho. Estou feliz com o resultado.

— Os ministros interferiram no processo eleitoral? Claro que ministros devem ter ligado para os deputados. É natural que Gilberto Kassab [Comunicações] tenha lutado pelo Rogério Rosso. Natural também que, em determinado momento, o Mendonça Filho [Educação] tenha lutado por Rodrigo Maia. E o Maurício Quintela [Transportes], pelo Giacobo. O próprio Moreira Franco, que é sogro do Rodrigo Maia, pode ter pedido votos para ele. Mas o governo —ou essa entidade que vocês da imprensa chamam de Planalto— não se meteu na disputa.

— Está dizendo que o Planalto não interferiu em nada? Zero. Eu, o ministro Eliseu Padilha [Casa civil] e o presidente Michel Temer não interferimos. Desafio qualquer um a demonstrar o contrário.

— O que levou Rodrigo Maia a reverter o favoritismo de Rogério Rosso? O que tornou o Rodrigo favorito foi o fato de ele ter unificado o campo partidário que gravitava em torno do DEM. Atraiu PSDB, PSB e PPS. E o outro núcleo partidário não conseguiu a mesma unidade. Ou seja: não havia centrão. Os partidos se dividiram: o PP lançou Espiridião Amin. O PR, o Giacobo. O PTB, Cristiane Brasil. O PSD, o Rogério Rosso. O centrão não existia como grupo orgânico dentro do Parlamento. A política foi decidida pela matemática.

— O fato de Rodrigo Maia ter obtido votos em partidos como PT, PDT e PCdoB é um problema para o governo? De nenhuma forma. Incomodaria se ele tivesse aparecido, como apareceu o Marcelo Castro, como candidato de uma manobra petista, cuja vitória seria atribuída à articulação do Lula contra Michel Temer. Essa seria a leitura. Quanto ao Rodrigo Maia, é natural que ele tenha buscado votos em toda a Câmara. Para surpresa de todos, Rodrigo também teve votos em partidos do centrão, como PR e PP. As circunstâncias o favoreceram. Ainda que o Rosso tenha feito um belo papel. Telefonei para ele. E gostei do que ouvi. Disse que não mudou nada, deseja pacificar a Casa. Conversa de gente grande. Achei bom o processo.

— O governo mantém o plano de encaminhar as reformas estruturais ao Congresso apenas depois da confirmação do impeachment? Costumo dizer que temos de tratar a vida como ela é. O recesso parlamentar termina dia 1º de agosto. No dia 5, começa a Olimpíada. Não podemos imaginar que, durante os Jogos, vamos conseguir quórum de 300 a 340 deputados, para votar matérias polêmicas. Vem o impeachment. E, logo em seguida, começa outra batalha, que é a questão das eleições municipais de outubro. Ainda que não haja recesso branco, não me iludo imaginando que o parlamentar vai abandonar o processo eleitoral para manter quórum alto em Brasília. Então, as coisas devem acontecer para valer apenas depois das eleições.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.