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Josias de Souza

Defesa terá de provar que Lula é míope e bobo

Josias de Souza

15/09/2016 04h30

A defesa de Lula se autoimpôs uma missão irrealizável. Para refutar a acusação de que seu cliente era "o comandante máximo" do petrolão, os advogados de Lula se esforçam para provar que aquele ex-operário que chegou à Presidência como um mito e deixou o Planalto como um recordista de popularidade era, na verdade, um míope meio bobo —indigno dos milhões de votos que o elegeram duas vezes.

Os defensores de Lula optaram por uma linha desconstrutiva. É como se tentassem livrar Lula de suas culpas imolando-o. A grandeza de sua vista curta o impediu de enxergar a roubalheira que se implantou sob suas barbas. A doce ingenuidade de sua alma não permitiu que Lula constatasse que o patriotismo dos aliados era movido a propinas.

Coordenador da força-tarefa de Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol foi mais respeitoso com Lula do que os advogados do ex-presidente. Homenageou-lhe a inteligência e a fama de cérebro solitário do petismo, grudando nele três denominações: 1) "comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava-Jato"; 2) "maestro da orquestra concatenada para saquear os cofres da Petrobras e outros órgãos públicos"; e 3) "grande general do esquema de corrupção."

Em entrevista concedida nas pegadas da divulgação da denúncia de Curitiba, um dos advogados de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse que a "verborragia" do procurador Dallagnol teve conotação "política". Como assim? "O Ministério Público Federal elegeu Lula como 'maestro de uma organização criminosa', mas esqueceu do principal: a apresentação de provas dos crimes imputados."

O doutor talvez não se recorde —ou esquece de lembrar— que o procurador Dallagnol e a força-tarefa de Curitiba não estão sozinhos em suas conclusões. Numa petição que protocolou em maio no Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República Rodrigo Janot requereu a inclusão de Lula no "quadrilhão", como é conhecido o principal inquérito da Lava Jato. Na peça, Janot referiu-se a Lula em termos dignos de um epitáfio.

Escreveu o procurador-geral: "Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse." O procurador Dallagnol apenas ecoou: "Só o poder de decisão de Lula fazia o esquema de governabilidade corrompida viável. Ele nomeou diretores para que arrecadassem propina. Sem o poder de decisão de Lula, esse esquema seria impossível."

Noves fora os R$ 30 milhões em palestras financiadas pelas cleptoconstrutoras e o sítio de Atibaia, duas denúncias que estão na fila, as evidências de que Lula se beneficiou financeiramente do esquema constam da primeira denúncia da Lava Jato. Ao dizer que faltam provas sem refutá-las adequadamente, a defesa pede à plateia que também se finja de boba para que Lula possa continuar executando no palco o papel de um Napoleão se descoroando.

De acordo com esta primeira denúncia, Lula recebeu R$ 3,7 milhões em propinas da OAS, uma das empreiteiras que assaltaram a Petrobras. O dinheiro foi aplicado no célebre tríplex do Guarujá e no aluguel de contêineres para guardar os bens e presentes que Lula ganhou durante o exercício da Presidência.

Apenas no armazenamento daquilo que Lula chama de "tralhas", a OAS torrou R$ 1,3 milhão. No apartamento que Lula diz não possuir, a construtora enterrou R$ 1,1 milhão na aquisição do imóvel, R$ 926 mil na reforma e R$ 350 mil na instalação de uma cozinha gourmet. Lula, sua mulher Marisa e seu filho Fábio Luiz vistoriaram o imóvel.

A defesa de Lula sustenta que a família Silva não se interessou pela compra do tríplex. E se abstém de explicar por que diabos a OAS enterraria uma fortuna para dotar o apartamento de facilidades como um elevador e uma cozinha de luxo se não tivesse um compromisso com Lula. O advogado se escora no registro cartorial como se a ocultação da propridade não fosse a essência do crime de lavagem de dinheiro.

A denúncia não faz de Lula um culpado automático. Antes de proferir uma sentença, o juiz Sérgio Moro terá de atestar o nexo das acusações do Ministério Público, enviando o ex-presidente e os outros acusados ao banco dos réus. Vencida a fase do contraditório, virá o veredicto. Seja qual for o desfecho, Lula sairá mal do processo.

Condenado, pode passar uma temporada no xadrez. Absolvido, passará à história como um cego atoleimado que presidiu o país sem notar que sob os fios do seu bigode desenrolava-se uma roubalheira sem precedentes. E o petrolão se eternizará como a corrupção acéfala, a máfia sem capo. O sucesso da defesa de Lula depende do talento dos seus advogados para desmoralizar a reputação do cliente.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.