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Josias de Souza

Saudade do tempo em que laranja era uma fruta

Josias de Souza

16/09/2016 19h57

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No Brasil, a morte era a única coisa que ainda não havia sido vulgarizada por completo. Pois acaba de entrar no rol das avacalhações. Convertida em evento paranormal, a eleição municipal de 2016 produz prestações de contas que incluem doadores mortos. "Temos mortos fazendo doação em grande quantidade", disse o ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Morto que vota era coisa comum. Mas cadáver que doa dinheiro a candidato é algo inédito.

O dinheiro de campanha está no miolo da corrupção política brasileira. Por dois motivos. Um financeiro: a verba suja funciona como anabolizante que torna a disputa desigual. Outro moral: candidato que recebe envelopes por baixo da mesa amarra o futuro de um eventual governo nos interesses de quem o financiou.

O Supremo Tribunal Federal proibiu as doações eleitorais de empresas. Essa proibição vigora pela primeira no pleito deste ano. Com a Lava Jato a pino, os candidatos deveriam fechar o caixa dois, senão por honestidade, ao menos por esperteza. Mas não é o que sucede.

Além dos mortos, há também clientes do Bolsa Família doando recursos para candidatos. Segundo Gilmar Mendes, há miserável doando R$ 68 mil. O Brasil é mesmo um país dinâmico, não para nunca. Está constantemente sendo passado a sujo. É o país do futuro, não há dúvida. Mas às vezes dá uma saudade nostálgica daquele Brasil de outrora, um país onde laranja era apenas uma fruta cítrica.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.