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Josias de Souza

Lula fala sobre Mantega sem tocar no essencial

Josias de Souza

23/09/2016 02h50


Palco de um ex-protagonista caindo em si ou picadeiro de um cômico fora de si. Escolha sua metáfora para as encenações de Lula nos palanques do Nordeste. A descrição mais adequada talvez seja essa: uma sequência de discursos sem nexo de um pajé inocente que, flechado por denúncias e inquéritos, faz lembrar as virgens de Sodoma e Gomorra.

Na noite passada, num comício em Recife, o morubixaba do PT comentou a prisão de seu ex-ministro Guido Mantega. Abstendo-se de mencionar a soltura determinada horas depois pelo juiz Sérgio Moro, Lula disse à plateia de convertidos:

"Hoje, a Polícia Federal foi buscar o Guido no hospital. Entraram na sala de cirurgia, onde a mulher dele, que está com câncer, começava uma cirurgia. Levaram ele e, depois, com a maior desfaçatez, disseram que não sabiam que ela estava doente. Sabiam! Ela não estava dentro de um hospital para se embelezar. É preciso que esse país volte a normalidade. Isso exige que as instituições respeitem as pessoas e a sociedade."

A cena dos agentes federais invadindo a sala cirúrgca é uma fábula do orador. Na vida real, um delegado tocou o telefone para Mantega. Que se apresentou do lado de fora do hospital. E foi conduzido educadamente para um automóvel comum, sem a logomarca da PF.

O juiz da Lava Jato, os procuradores da força-tarefa de Curitiba e a Polícia Federal informaram que não sabiam da internação da mulher de Mantega. Lula chama todo mundo de mentiroso. Deve saber o que diz, já que é um PhD nessa história de "não sabia". O repórter jamais se atreveria a discutir com um especialista. Porém…

Lula talvez devesse incluir em suas próxima manifestações meia dúzia de palavras sobre o inusitado que salta da nova fase da Lava Jato: um ministro da Fazenda convertido em coletor de verbas sujas para campanhas do PT.

Quando discursa de improviso e esquece de abordar o essencial, Lula dá sempre a impressão de que procura uma boa explicação desesperadamente —mais ou menos como um cachorro que escondeu o osso e esqueceu onde.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.