Delator afirma que vem do mesmo cofre dinheirama 'doada' para Aécio e Dilma
Em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral, o empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da Construtora UTC e delator da Lava Jato, confirmou ter feito doações às campanhas presidenciais de Dilma Rousseff e de Aécio Neves. Repassou R$ 7,5 milhões para a candidata petista e R$ 4,5 milhões para o rival tucano. Inquirido sobre a origem dos recursos, declarou que o dinheiro saiu do mesmo caixa das empresas do Grupo UTC, que era unificado.
Ricardo Pessoa prestou depoimento no processo em que o PSDB pede à Justiça Eleitoral que casse os mandatos de Dilma, já deposta, e do vice Michel Temer, agora efetivado na função de presidente. Ele foi ouvido em audiência realizada em 19 de setrembro. Mas só nesta semana o TSE divulgou no seu site o papelório que compõe os primeiros 13 volumes dos processos.
O blog manuseou o depoimento de Ricardo Pessoa. A certa altura, o advogado de Dilma, Flávio Caetano, travou com o empreiteiro o seguinte diálogo:
— […] Tanto a doação à campanha eleitoral de Dilma e Temer e a doação para a campanha de Aécio e Aloysio [Nunes Ferreira] tiveram origem na mesma conta corrente, da UTC. É isso?
— Sim
— Da mesma conta corrente?
— Não sei se da mesma conta corrente, mas do caixa, do capital de giro, do caixa da UTC Engenharia, Constran e UTC Participações, que era unificado.
— Ou seja, não tem relação nenhuma com eventuais comissões ou propinas de contratos com a Petrobras.
— Não. Absolutamente.
— A origem de doação a Aécio e Dilma é a mesma?
— Sim senhor.
Deve-se o depoimento do delator da UTC a um requerimento do PSDB, autor da ação. Imaginou-se que o empreiteiro levaria água para o moinho da cassação da chapa Dilma-Temer, já que, em depoimentos à força-tarefa da Lava Jato, ele confirmara ter participado de reuniões com o petista Edinho Silva, ex-ministro de Dilma e tesoureiro da campanha dela à reeleição.
Interrogado pelo ministro Herman Benjamin, corregedor do TSE, e pelo juiz auxiliar Bruno Cesar Lorencini, o dono da UTC confirmou ter participado de três reuniões com Edinho Silva. Reafirmou ter sido encaminhado ao gestor das arcas da campanha de Dilma pelo ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Mas fez uma distinção entre os contatos que mantinha com Vaccari e as conversas com Edinho. Nessa versão, repassou ao primeiro algo como R$ 24 milhões em propinas. Ao segundo, entregou os R$ 7,5 milhões doados de maneira supostamente lícita.
"A minha relação com o João Vaccari era muito grande", declarou Ricardo Pessoa. Encontravam-se amiúde, para tratar dos negócios escusos e dos desvios praticados na Petrobras. Em meados de 2014, o empreiteiro disse ter sido abordado pelo então tesoureiro do PT com uma conversa diferente:
— O senhor não vai contribuir para a campanha presidencial?
— Ué, como é que faz para contribuir?
— O senhor tem que procurar Edinho, porque isso aqui não é comigo, é com o Edinho Silva.
O juiz Bruno Lorencini perguntou a Pessoa como foi sua conversa com Edinho. E o empreiteiro: "Eu fui lá para discutir com ele contribuição para a campanha presidencial. E tivemos três encontros. O primeiro encontro, ele estava imaginando uma contribuição de R$ 20 milhões. Eu disse a ele que eu fui preparado para dar R$ 5 milhões. Acertei os R$ 5 milhões. Voltei depois, porque ele achou muito pouco."
De acordo com o relato do empreiteiro, o caixa da campanha de Dilma lhe disse que tinha muitas despesas. E insistiu para que doasse mais. "Eu disse a ele que não estava preparado para isso, mas que eu ia pensar, ia ver como fazer. E marquei uma outra reunião com ele, onde acertei o pagamento de duas parcelas de R$ 2,5 milhões, para a campanha presidencial."
Pessoa prosseguiu: "Voltei lá, porque ele me disse que precisava de muito mais dinheiro do que isso, e eu não tinha. Acertei mais duas parcelas [de R$ 2,5 milhões]… ,porque R$ 20 milhões para nós era impossível de aceitar. E assim foi feito, só que R$ 2,5 milhões foram pagos, os outros R$ 2,5 milhões não foram pagos." Por quê? "Eu fui preso", explicou o dono da UTC.
O juiz perguntou a Pessoa se as contribuições à reeleição de Dilma estavam amarradas a algum benefício futuro. O depoente respondeu negativamente. "Não tinha nesse diálogo nenhuma vinculação a contrato específico". Mas reconheceu que Edinho Silva levou à mesa, de forma nem tão sutil, a Petrobras: "Você tem muito contrato. Você vai continuar."
Instado a comentar os hábitos eleitorais de sua construtora, o delator Ricardo Pessoa disse: "Nós sempre contribuímos com todos os partidos —a grande maioria. Você pode pegar a UTC, a UTC Paritcipações e todas as empresas do grupo, contribuíram com R$ 54 milhões na campanha de 2014, certo? Está inclusive, atestado no TSE. Para diversos partidos. Para a grande maioria dos partiudos, nós contribuímos."
Perguntou-se ao delator se essas doações também incluíram propinas, como no caso dos R$ 24 milhões em verbas sujas que ele admitiu ter repassado a Vacari, o tesoureiro petista. E ele: "Não, não." Ricardo Pessoa sustentou que não pagou propinas no ano eleitoral de 2014. "O último montante pago como comissão, como propina, foi em que época, que ano?", quis saber o juiz Bruno Lorencini. "Em 2012, eu acho", Pessoa respondeu. "Eu não sei lhe precisar se em 2013 nós pagamos alguma coisa. Acredito que sim. Pouca coisa, mas sim."
"Depois disso, só doações registradas?", insistiu o juiz. E o depoente: "É, mesmo porque eu não tinha mais produção de caixa dois". Ele recordou que o operador do caixa dois da UTC, o doleiro Alberto Youssef, foi retirado de circulação por ordem de Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato. Permanece até hoje como hóspede do sistema carcerário paranaense.
O corregedor do TSE, ministro Herman Benjamin, perguntou a Ricardo Pessoa qual é a diferença, "do ponto de vista qualitativo", entre as doações feitas pela UTC a Dilma e Aécio. O delator classificou as doações como espontâneas. E acrescentou: "Posso dizer que a diferença qualitativa foi a forma de… de cobrança e de solicitação de cada um. O Edinho me cobrou muito mais do que o… esqueci o nome agora, do… [tesoureiro do PSDB]."
Hermann Benjamin indagou se houve vinculação entre o socorro financeiro e a promessa de contratos futuros. "Contrato específico, não senhor", respondeu o empreiteiro. O ministro questionou se o montante doado foi abatido da conta das propinas. "Não, absolutamente", disse Ricardo Pessoa.
Em resposta a questionamentos de Gustavo Guedes, advogado de Michel Temer, o dono da UTC deixou bem claro que torceu pela vitória de Dilma na sucessão de 2014. Receava que o triunfo de Aécio não fosse bom para os negócios.
"O PSDB poderia outro tipo de atitude", explicou o depoente. O partido de Aécio "paralisaria de seis meses a um ano a máquina pública. E, por isso, poderia ter uma derrocada em relação aos investimentos.
Ricardo Pessoa foi ao ponto: "Imagine o senhor trocar toda a diretoria da Petrobras, trocar toda a área técnica, digamos assim, indicação política. Pararia tudo, concorda? E o momento não permitia."
A despeito de suas preferências, o empreiteiro achou que deveria doar recursos também para Aécio, ainda que em menor proporção. Ecoando um raciocínio comum entre os oligargas que encostam seus negócios nos balcões do Estado, Pessoa insinuou que, numa eleição, o melhor a fazer é diversificar os investimentos.
Eis o que disse o delator: "Para quem tem interesse em permanecer no mercado, prestando serviço em compras governamentais, você atende a todos os pedidos que tem com relação a contribuições políticas. Nisso aí eu tenho que ser bastante honesto e sincero com o senhor aqui. Repito: pago a contribuiçãoo para manter o relacionamento"
Flávio Caetano, o advogado de Dilma, perguntou a Pessoa se ele esteve pessoalmente com Aécio. "Estive", respondeu o empreiteiro. "Ele lhe pediu alguma contribiuiçao?", emendou o doutor. E o depoente: "Não, já tinha sido acertado antes, ele só foi agradecer." Caetano quis saber: "Ele agradeceu a contribuição?" Pessoa soou seco: "Claro."
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