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Josias de Souza

Dilma é a grande cabo eleitoral da PEC do teto

Josias de Souza

11/10/2016 04h38


Presidente, Dilma engoliu a prepotência, pediu socorro ao PMDB e terceirizou a coordenação política a Michel Temer. Confiou-lhe a missão de aprovar um pacote fiscal. Ao puxar o tapete do vice, amarrou uma corda no próprio pescoço. Deposta, Dilma tornou-se a mola propulsora do ajuste. Temer construiu sua primeira grande vitória legislativa utilizando como alicerce os escombros deixados pela antecessora. Precisava de 308 votos para erguer a barreira do teto dos gastos federais. Com o auxílio involuntário de Dilma, cravou no painel da Câmara 366 votos.

Reduzida a 111 votos, a tropa que reúne o PT e seus satélites passou a sessão jogando pedras no teto de Temer. Alegou-se que, ao rebaixar o pé-direito das despesas da União, o governo seminovo sacrificará áreas como saúde e educação. Mas a infantaria do Planalto, 95% feita de silvérios da gestão anterior, demonstrou facilmente que a nova oposição não tem só o telhado de vidro, mas as portas, as janelas, os paletós, as gravatas… Todas as teses contrárias à busca do equilíbrio fiscal serão de vidro diante da crise que já produziu 12 milhões de desempregados.

As coisas ficaram fáceis para o governo. Tão fáceis que qualquer deputado aliado podia subir à tribuna para repetir que Dilma criou as condições ideais para que Temer submeta as contas públicas a uma realidade inteiramente nova. Caos não falta. "Temos de aprovar o teto. Sem ele será a travessia para o abismo", disse Marcos Pestana (PSDB-MG). "O governo Dilma aprofundou toda essa crise que estamos vivendo. O país precisa de medidas enérgicas", ecoou Danilo Forte (PSB-CE), que presidiu a comissão especial sobre a emenda do teto de gastos.

Dilma ajudou o novo governo também ao servir de contraponto para os dotes políticos de Temer. Madame tratava os parlamentares aos pontapés. De raro em raro, fazia aos líderes partidários o favor de conceder-lhes uma audiência. Temer, um PhD nas mumunhas da política, afagou os cardeiais sem esquercer o baixo clero. Abaixo da linha d'água, mergulhou no fisiologismo. Na superfície, convidou até o porteiro da Câmara para o jantar no Alvorada, na véspera da votação. Dilma também chafurdava no 'toma-lá'. Mas nem sempre alcançava o 'dá-cá'.

Vitaminada pelos fantasmas que pairam sobre a ruína de Dilma, a momentânea superioridade numérica do governo no plenário da Câmara pode despertar em Temer um tipo temerário de ilusão —a ilusão de que preside. Ainda pendente de uma votação em segundo turno na Câmara e duas rodadas no Senado, a emenda do teto é apeans o primeiro passo. Pede um complemento duro de roer: a reforma da Previdência. Nessa área, é improvável que o governo consiga entregar tudo o que promote. Mas Temer já não pode se dar ao luxo de não tentar.

A sorte de Temer é que o PT e seus devotos vão demorar a se recuperar da surra que tomaram das urnas, Lula está à procura de justificativas para os seus confortos e Dilma trancou-se em seus rancores depois que se deu conta de que as ruas não se animaram a clamar pelo seu retorno. Resta ao presidente-tampão rezar para que a Lava Jato não o impeça de escolher o seu próprio caminho para o inferno da impopularidade.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.