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Josias de Souza

CNJ pune juíza do Pará com o ócio remunerado

Josias de Souza

12/10/2016 18h32

O caso estarreceu o país. Uma menina de 15 anos, corpo mal recoberto por uma sainha curta, uma blusa que prenunciava os seios adolescentes, foi jogada num calabouço masculino, com 30 marginais. Deu-se em novembro de 2007, nos fundões do Pará, município de Abaetetuba. Decorridos nove anos, o Conselho Nacional de Justiça decidiu "punir" a juíza responsável pelo absurdo. Chama-se Clarice Maria de Andrade. Foi sentenciada, por assim dizer, à pena de "disponibilidade".

Repetindo: o "castigo" imposto à juíza por servir uma menina de 15 anos a três dezenas de marginais numa cela superlotada foi a disponibilidade. Os dicionários ensinam que disponibilidade é a condição daqueles que se encontram disponíveis. Disponível, ensinam também os dicionários, é estar livre, desimpedido —sem tarefas ou compromissos. Ou seja: a juíza foi "condenada" ao livre usufruto do ócio. Um ócio devidamente remunerado.

Relator do caso no CNJ, o conselheiro Arnaldo Hossepian classificou o gesto da juíza de "ignominioso". Na língua dos mortais, isso quer dizer vergonhoso, degradante. E a "punição" foi a disponibilidade. A juíza fica afastada de suas funções e recebe mensalmente o salário pago pelo contribuinte. Depois de 2 anos, a doutora pode ser reconvocada para o trabalho. Brasillllllll!

Suprema ironia: o inaceitável de Abaetetuba teve um quê de inacreditável: a menina foi aviltada nas dependências de um Estado que era gerido por uma mulher, a então governadora petista Ana Júlia Carepa. Quem mandou a adolescente para a cela foi outra mulher, a delegada Flávia Verônica Pereira. A decisão recebeu o endosso de uma terceira mulher, a juíza Clarice Maria de Andrade.

Agora, quis o destino que o CNJ decidisse impor a "punição" que vale por um prêmio num instante em que a entidade é presidida por outra mulher, a ministra do STF Cármen Lucia. O mais inusitado é que, no fim das contas, a única punida foi a menina de 15 anos. Tudo na mais absoluta normalidade. Uma evidência de que algo de muito anormal precisa acontecer no Brasil.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.