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Josias de Souza

Crivella fez uma pose melhor do que a de Freixo

Josias de Souza

29/10/2016 03h29

Reprodução/TV Globo

Freixo e Crivella, os dois Marcelos que disputam o voto dos cariocas, fizeram pose da primeira frase até as considerações finais do último debate. Das duas encenações, a de Crivella talvez tenha sido mais eficiente. De tanto se esforçar para expor o lobo que enxerga atrás do semblante do seu rival, Freixo ficou parecendo um bispo exorcista da Universal. Foi como se estendesse um tapete vermelho para Crivella desfilar seu figurino de vítima, que costuma dar mais votos.

Depois de fugir de três sabatinas ao longo da semana, Crivella foi ao último debate ensaiado para mostar que o diabo pintado pelo adversário não é tão feio quanto parece. Freixo recordou a frase do rival sobre a obediência que as mulheres devem aos homens. Crivella realçou seu casamento de mais de 30 anos. E falou sobre as creches que pretende construir em parceria com a iniciativa privada.

Freixo provocou Crivella, bispo licenciado da Universal, a dizer qual é o "projeto político" da igreja do seu tio Edir Macedo. Ao responder, o favorito nas pesquisas saltou a casca de banana e foi caminhar noutra calçada: discorreu sobre a falta de saneamento, transporte de má qualidade e a falta de exames nos hospitais dos fundões da Zona Oeste do Rio, onde tem muitos votos.

O candidato do PSOL voltou à carga: "Sua igreja tem projeto de poder. Quase todos os deputados são bispos.", afirmou ele. "Você desconsidera outras religiões, disse que católicos eram demoníacos", acrescentou. Crivella exagerou na desconversa: "Não existe projeto de poder de igreja nenhuma." E deu meia-volta, olhos fixos na câmera: "Você não quer saber de religião, quer saber de emprego."

E assim foi durante todo debate. Um apertando. Outro se esgueirando. Em desvantagem nas pesquisas, Freixo tentou capturar o telespectador que cogita desperdiçar o voto. Pesquisa Datafolha divulgada há três dias contabilizava em 27% os eleitores que chegam à beira da urna sem se definir por nenhum dos dois candidatos. O diabo é que o grosso desse eleitorado (19%) diz estar decidido a votar em branco ou anular o voto. É gente que tem ojeriza também a Freixo.

De resto, ao empurrar Crivella para o gueto religioso, Freixo não fez senão consolidar votos que vêm assegurando a folgada liderança do seu adversário. Entre os fiéis de igrejas pentecostais, como a Universal, amealha 91% dos votos. Entre os não pentecostais, 86%. No total, os evangélicos somam 33% dos eleitores.

A certa altura do debate, Crivella perguntou a Freixo qual é a sua proposta para cuidar dos animais do Rio e Janeiro. Depois de ouvir uma das poucas respostas em que seu antagonista não o espetou, Crivella ironizou:

"Olha só, quando o Freixo trata de propostas, ele fica encantador. Falou tudo que tem que ser feito no Rio de Janeiro. Foi tão brilhante, sem ofensas." E Freixo: "Agora, você vem com essa voz mansa, cordial, mas você não é quem quer aparentar no debate. Sua campanha nesse segundo turno foi suja."

Freixo considera-se o melhor candidato que ele já conheceu. Mas não se deu conta de que, numa disputa eleitoral renhida com a do Rio, costuma vencer a melhor encenação, não o melhor candidato.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.