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Josias de Souza

Lula cutuca país com o pé e reclama da mordida

Josias de Souza

01/11/2016 16h35


Depois de fugir das urnas de São Bernardo do Campo para não ter de optar entre um candidato do PSDB e outro do PPS, Lula reapareceu nesta terça-feira. Discursou para alunos da Universidade Federal de São Carlos. A certa altura, declarou: "Cada vez mais, em vez de negar a política, a gente tem que fazer política. Porque a desgraça de quem não gosta de política é que é governado por quem gosta. E quem gosta é sempre a minoria, é sempre a elite."

A manifestação de Lula é uma reação ao azedume que o eleitorado despejou sobre as urnas municipais de 2016. A acidez dos brasileiros dissolveu o PT. O partido elegera 638 prefeituras em 2012. Agora, além de vencer apenas em 254 municípios, o PT foi expurgado de vitrines como São Paulo. Lula queixa-se sobretudo do triunfo de candidatos que se apresentaram como não-políticos —João Doria, por exemplo— e do grande número de abstenções e votos nulos.

O que o morubixaba do PT ainda não enxergou é que, ao "negar a política", o brasileiro está fazendo política em estado bruto. Foi a forma que um pedaço da sociedade encontrou para informar que está de saco cheio de ser "governado por quem gosta de política" do jeito que Lula e o PT a praticaram nos últimos 13 anos. Eleito para fazer diferente, o petismo fez muito pior. Produziu ruína econômica e corrupção em escala industrial.

Lula ainda imagina ser protagonista de um épico. Mas, na verdade, tornou-se personagem de um filme de classe B. Nele, Luís Inácio, no papel de Lula, é um homem convencido de que sua missão divina o torna credor de certos privilégios. Nesse enredo, empreiteiros são escudeiros providenciais. Com as algibeiras recheadas com verbas do petrolão e do BNDES, livram Lula de cuidados banais, como o pagamento da conta das reformas do sítio e do tríplex, a montagem das cozinhas planejadas, a instalação do elevador privativo, o guarda-volumes para as tralhas…

Ao discursar para os estudantes, nesta terça, Lula chegou a ensaiar uma caída em si. "Estamos numa crise agora? Estamos. Temos responsabilidades? Temos. Fizemos erros? Fizemos." Mais um pouco e o morubixaba do PT admitiria que a política que praticou nos últimos anos é a causa do desalento nacional. Criticar os efeitos sem expiar as culpas apenas aumenta a raiva da plateia.

Ao converter suas coalizões em organizações crimimosas, ao transformar o PT em máquina coletora de verbas, ao eleger e reeleger uma supergestora de fancaria, ao minimizar um flagelo econômico que colocou no olho da rua 12 milhões de brasileiros, ao fazer tudo isso, Lula cutucou o país com o pé. Agora, não pode se queixar da mordida, uma boa reação política contra as ofensas da má política.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.