Temer tenta assumir papel de tocador de obras
Em tempos de desemprego e de reformas impopulares, Michel Temer abriu uma clareira em sua agenda para tratar de um tema que, segundo sua crença, pode injetar ânimo no noticiário. O presidente reúne-se com seus ministros na tarde desta segunda-feira para discutir o flagelo das obras inacabadas. Deseja retomar algumas delas. A iniciativa tem dupla serventia. Sob refletores, Temer enaltecerá o empenho do governo para abrir novos postos de trabalho. À sombra, borrifará verbas em canteiros de obras que interessam aos congressistas que apoiam o governo. Renan Calheiros, presidente do Senado, é um dos entusiastas desse esforço.
Temer deu prioridade à retomada de obras há pelo menos quatro meses. Encomendou um estudo ao Ministério do Planejamento. A pasta inventariou as obras cujo reinício exigiria desembolsos situados na faixa entre R$ 500 mil e R$ 10 milhões. Identificaram-se 1.519 empreendimentos. A lista inclui postos de saúde, escolas, creches, quadras esportivas… —obras que costumam render aos políticos prestígio em seus redutos eleitorais e, em muitos casos, otras cositas má$. Estima-se que, da reativação dos canteiros ao corte da fita na cerimônia de inauguração, essas pequenas obras custarão ao Tesouro Nacional algo como R$ 1,8 bilhão.
Nas últimas semanas, Temer passou a flertar com a ideia de incluir na lista algumas obras de grande porte. Entre elas, por exemplo, a velha e boa Transposição do Rio São Francisco. Espera-se que, ao final da reunião desta segunda-feira, o Planalto informe qual é, afinal, o tamanho da ambição do presidente nessa área. E como suas pretensões serão acomodadas no Orçamento da União.
O debate sobre os esqueletos que assombram o Orçamento é antigo. Lula, por exemplo, inquietava-se com o tema no início do seu primeiro mandato. Em abril de 2003, três meses depois de tomar posse, Lula criticou administrações anteriores pelo "absurdo" de deixar como herança obras inacabadas. Citava na época, sem especificar, a construção de uma ponte que estava paralisada havia 12 anos. No final de sua gestão, orgulhava-se de ter lançado o PAC, Programa de Acelaração do Crescimento. Sob Dilma Rousseff, o crescimento virou recessão. E o PAC tornou-se um armário apinhado de esqueletos.
Um dos mais vistosos e caros fiascos é a obra da transposição. Na campanha presidencial de 2010, a "revolução" do São Francisco foi vendida nos videoclipes do PT como um grande feito, que levaria água abundante ao sertão nordestino ainda naquele ano. Era lorota eleitoral. Apenas 17 dias antes de passar a faixa para Dilma, Lula renovou a promessa: "Estou percebendo que a obra vai ser inaugurada definitivamente em 2012, a não ser que aconteça um dilúvio…"
Em maio de 2014, em plena campanha à reeleição, Dilma visitou trechos das obras da transposição no Ceará e na Paraíba. Espremida pelos repórteres, a ex-mãe do PAC torceu o próprio braço: "A gente começou bastante inexperiente. E houve uma subestimação. Em nenhum lugar do mundo em dois anos é feita uma obra dessa dimensão. Ela é bastante sofisticada, leva um tempo de maturação. Houve atraso porque se superestimou a velocidade que ela poderia ter, minimizando a complexidade." A inauguração foi empurrada para 2015.
Em agosto de 2015, levada no embrulho da onda de impopularidade, Dilma protagonizou uma encenação no sertão de Pernambuco. Simulou o acionamento de uma motobomba que já vinha funcionando em caráter experimental havia oito meses. Faltava construir os canais que —um dia, talvez, quem sabe— verterão o São Francisco nas torneiras. Previa-se, então, que as obras seriam encerradas em janeiro de 2017. Não há a mais remota chance de isso acontecer.
A inépcia custa caro. Chefe da Casa Civil de Lula, Dilma avalizara um orçamento de R$ 4,8 bilhões para a Transposição do São Francisco. Na poltrona de presidente, madame autorizou aditivos que elevaram o custo da obra para R$ 8,2 bilhões. Por ora, conseguiu-se transpor apenas as verbas do Tesouro para as caixas registradoras das empreiteiras —as mesmas logomarcas que frequentam o escândalo do petrolão.
Considerando-se a penúria do Tesouro e a estatura moral dos seus aliados, Michel Temer precisa ser cuidadoso ao selecionar as obras que serão retomadas. Em muitos casos, o presidente talvez devesse se guiar pela cartilha do economista Mario Henrique Simonsen. Ministro da Fazenda no período de 1974 a 1979, Simonsen ensinou: quando aguém apresenta o projeto de uma obra, o administrador público deve perguntar quanto o interlocutor ganhará de comissão. Esclarecido o percentual —5%? 10%?—, paga-se a comissão e sepulta-se a obra.
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