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Josias de Souza

Lula culpa gestão Temer pela volta do desemprego: ‘E já está a quase 12%!’

Josias de Souza

11/11/2016 04h33

Como previsto, o PT e seus aliados lançaram na noite passada um movimento em defesa de Lula. O ápice do evento foi um discurso do próprio Lula. Além de desqualificar a Lava Jato e as autoridades responsáveis pela operação, o ex-presidente atribuiu as mazelas econômicas do país ao recém-instalado governo de Michel Temer. Lamentou, por exemplo que, após "as conquistas do povo no nosso governo", 12 milhões de brasileiros tenham sido mandados para o olho da rua.

"É com muita tristeza que o desemprego que a gente quase acabou está voltando. E já está a quase 12%", lastimou Lula. "O salário que os trabalhadores aprenderam a conquistar está, nesse momento, sofrendo um arrocho. E todas as categorias estão tendo aumento menor do que a inflação." Lula desconsiderou o fato de que a ruína em que se misturam a recessão e a carestia foi 100% produzida no governo de Dilma Rousseff, a supergerente ficcional que ele vendera aos eleitores em duas disputas presidenciais.

Lula parecia um orador saído da máquina do tempo. Repetia raciocínios de 2010, ano em que encerrou o segundo reinado elegendo sua "poste" como sucessora. Criticou os elitistas que se aborrecem com as "pessoas humildes" que passaram a "lotar os aeroportos". Ou "se incomodam quando as pessoas pobres começam a frequentar o parque do Ibirapuera, os teatros, começam a entrar num restaurante." É como se Lula, de volta de uma hibernação de seis anos, não soubesse que, depois de fazer sua sucessora, ela cuidou de desfazê-lo.

Ignorando a herança ruinosa de Dilma, Lula disse que os membros dessa elite avessa aos humildes que subiram "um degrau na escala social agora devem estar muito felizes, porque eles estão […] fazendo as pessoas voltar para o andar de baixo." Eles, no caso, são os integrantes do "governo ilegítimo" que impõe ao país "a supressão de direitos e a destruição de políticas sociais." Lula não cita o nome de Temer e de seus ministros. Talvez para não ter de recordar que o titular da Fazenda é Henrique Meirelles, que presidiu o Banco Central durante o seu reinado. E só não virou ministro de Dilma porque ela refugou os conselhos do seu criador.

Lula enalteceu a democracia, um regime que "permitiu que um metalúrgico virasse presidente da República." E que também "permtiu que uma ex-guerrilheira assumisse a Presidência desse país." O morubixaba do PT voltou a fazer sua pose preferida —a pose de político esquerdista vítima de uma conspiração política de direita. "Toda vez que eles tentaram nos calar, em qualquer momento histórico, desse país ou de outro, a única palavra que eles utilizam é a corrupção. Pois eu queria dizer pra eles: pela primeira vez, vocês estão acusando uma pessoa honesta, que vai lutar com vocês até provar a minha inocência."

Nesse ponto, a plateia entoou o mesmo grito de guerra que costumava dedicar a companheiros como José Dirceu, Antonio Palocci e João Vaccari antes de eles virarem hóspedes da carceragem de Curitiba. "Lula, guerreiro do povo brasileiro", bradou a audiência de devotos. Com receio de ser condenado e até preso, Lula reiterou as alegações de que os responsáveis pela Lava Jato estão marcados pelo comprometimento político e ideológico. Ele se considera alvo de "um pacto diabólico". Mas avisa para os seus algozes que eles "mexeram com a pessoa errada."

"Não me sinto confortável participando de um ato em minha defesa", declarou Lula. "Eu me sentiria confortável participando de um ato de acusação à força-tarefa da Lava Jato, que está mentindo para a sociedade brasileira". Cercado de convertidos, o ídolo petista acrescentou que preferia estar "acusando o comportamento perverso dos meios de comunicação, que mentem descaradamente".

Lula prosseguiu: "Não tenho problema em prestar quantos depoimentos forem necessários. […] Tenho preocupação é quando vejo um pacto quase diabólico entre a mídia, a Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz que está apurando todo esse processo."

A certa altura, Lula falou sobre corrupção como se discursasse para freiras, num convento. "No estado democrático, é imprescindível a avaliação crítica e permanente dos agentes políticos, assim como o debate profundo das políticas públicas e a denúncia fundamentada dos casos de corrupção e desvio", ensinou o papa do petismo. "A democracia permite julgar e punir quem errou, seja por meio do voto para quem frustrou as expectativas da sociedade, ou por meio do devido processo legal para quem roubou ou se corrompeu. É assim que evoluem e se aperfeiçoam os partidos e as instituições."

Abstendo-se de recordar que enfrenta, ele próprio, um processo em que é acusado de corrupção ou que o seu PT acaba de ser massacrado pelo eleitorado nas urnas municipais, Lula prosseguiu: "Os agentes políticos devem ser os primeiros responsáveis pela defesa das instituições, agindo com transparência e correção, reconhecendo e corrigindo erros e desvios." Heimmmm?!?!?

Embora não seja afeito ao hábito de admitir os próprios erros, Lula pronunciou algo muito parecido com uma envergonhada e tardia autocrítica: "Temos que reconhecer que essa atitude [de reconhecer e corrigir erros e desvios] não tem sido a regra." Ah, bom! "Mas a resposta não pode ser o processo que estamos assistindo de sistemática e permanente desqualificação da política. A história está repeleta de exemplos em que esse tipo de processo acabou ferindo de morte a própria democracia."

Lula ainda não se deu conta. Mas a democracia brasileira não está ferida. Ao contrário, dá sucessivas demonstrações de vitalidade. A evidência mais eloquente de que o regime pulsa é a conversão daquele que já foi o presidente da República mais popular da história numa condenação esperando na fila para acontecer. O desapreço do eleitorado pela política é consequência natural da Lava Jato, uma operação que elevou a corrupção brasileira ao estágio de endemia. A população será capaz de reconhecer o valor da política assim que os políticos forem capazes de demonstrá-lo.

Serviço: pressionando aqui, você chega ao vídeo que exibe a íntegra do ato em defesa de Lula. A peça dura 2h 39min 28s. O discurso de Lula começa na altura de 2 h 03min 05s.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.