Topo

Josias de Souza

Temer despertou a oposição extraparlamentar

Josias de Souza

26/11/2016 05h42

Na segunda-feira, o PSOL protocolará na Câmara um pedido de impechment contra Michel Temer. Em nota, o partido informou que "a peça terá como base as denúncias do ex-ministro Marcelo Calero, nas quais ele afirma que o presidente da República interveio em favor dos interesses do ministro Geddel Vieira Lima, para liberar uma obra em Salvador". A iniciativa do PSOL é natimorta. A principal dificuldade do governo não está no Congresso. O que ameaça Temer é o mesmo fenômeno que fez dele presidente da República: a oposição extraparlamentar.

Destinatário do pedido do PSOL, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, avisa que não tem vocação para Eduardo Cunha. Mas ainda que Maia quisesse tocar fogo no circo dirigido por Temer, o impedimento do substituto constitucional de Dilma Rousseff seria sufocado pela maioria parlamentar que acaba de aprovar na Câmara a emenda constitucional do teto dos gastos. Dilma cutucava o Legislativo com o pé para ver se os congressistas mordiam. Temer se jacta de tocar um governo semiparlamentarista.

Em setembro de 2015, quando começou a se insinuar como candidato ao trono, o então "vice-presidente decorativo" Michel Temer declarou que "ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo" de 7% de aprovação. Antes, ele já havia afirmado que o Brasil precisava de alguém que tivesse "a capacidade de reunificar a todos". Dilma, de fato, não sobreviveu à revolta provocada pela junção de duas crises: a ética e a econômica. Hoje, Temer é um presidente impopular. Mas dá de ombros: "Não estou preocupado com popularidade."

Temer resume assim o seu sonho de ex-presidente: "O povo olhar pra mim e dizer: 'Esse sujeito aí colocou o Brasil nos trilhos. Não transformou na segunda economia do mundo, mas colocou nos trilhos'." Para atingir o sonho, Temer oferece aos brasileiros um pesadelo. Decidido a restabelecer a racionalidade econômica, afirma que o Brasil não sairá da "recessão profunda" em que se afundou com a adoção de "medidas doces".

O presidente tem razão. Mas a tese da socialização dos sacrifícios perde o nexo no instante em que as principais autoridades da República, entre elas o próprio Temer, transformam a vista milionária de um apartamento de luxo de um ministro palaciano em prioridade do governo. De resto, a aceitação de remédios amargos fica mais difícil quando a plateia percebe que o pedaço político do gabinete de Temer vai virando farelo na usina de processamento de desvios éticos da Lava Jato.

Temer compôs um ministério paradoxal. Na área econômica, técnicos respeitados. Na seara política, amigos e aliados contestados. O tapete da administração peemedebista revela-se tão grande quanto o da gestão petista. O problema com as coisas varridas para baixo do tapete é que os presidentes continuam governando em cima do tapete. E os acobertados cheiram mal e se mexem muito. Descobertos, desmoralizam a presunção dos governantes de que comandam uma nação de idiotas.

O brasileiro nunca se importou com a imbecilidade. Mas já não admite ser tratado como imbecil. Sob Dilma, reaprendeu o caminho da rua. Esbaldou-se. Sob Temer, as ruas voltaram para casa. Mas começam a entrar em ebulição. Agendam para o dia 4 de dezembro um ronco contra a corrupção. Hoje, qualquer cidadão com um computador pode fazer chegar a sua raiva aos destinatários. Um ministro de Temer contou ao blog que sente diariamente o hálito quente da internet.

Na trincheira virtual, relatou o ministro, o combate é implacável e desleal. Escondidos atrás de pseudônimos, os descontentes lançam mão de toda a retórica capaz de insultar o interlocutor. O ministro é frequentemente mandado para lugares desagradáveis. Mandam-no, por exemplo, à presença da pessoa que, tendo exercido a profissão de prostituta, lhe deu à luz.

A oposição extraparlamentar não é ideológica. Para esse opositor que grita rente ao meio-fio ou xinga atrás da tela do computador, o problema não é de esquerda ou de direita. O problema é a sensação de que, seja quem for o presidente, haverá sempre meia dúzia por cima, prescrevendo remédios amargos, e milhões por baixo, tendo que engolir o purgante na marra.

Ou Michel Temer enxerga esse novo ator da política ou sua impopularidade será tão intensa que logo começarão a surgir os traidores no Congresso. Se quiser, o presidente pode emitir um sinal de que acordou ao nomear o substituto de Geddel Vieira Lima. Basta que examine bem as circunstâncias, para não confundir um certo homem com um homem certo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.