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Josias de Souza

Janot distribui cortesia a quem pede investigação

Josias de Souza

21/12/2016 04h49

Rodrigo Janot ainda não se deu conta, mas o pior tipo de solidão para um procurador-geral da República é a companhia de um potencial investigado. Nos últimos dias, o chefe do Ministério Público Federal se reúne com alvos da Lava Jato com estonteante naturalidade. E trata os encontros com uma transparência de cristal de copo de requeijão.

Nesta terça-feira, Janot fez uma visita ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o 'Botafogo' da lista da Odebrecht. Para driblar os repórteres, entrou por uma porta lateral. Além de Maia, particiaram do colóquio Osmar Serraglio (PMDB-PR), Pauderney Avelino (DEM-AM) e Marcos Rogério (DEM-RO).

Alcançado na saída, Janot disse que a visita não lhe trouxe o mínimo constrangimento. Afirmou que deseja "manter aberto o diálogo com o Parlamento, demonstrar o respeito do Ministério Público Federal ao Parlamento." Hummmmmm. Talvez não seja boa ideia propor diálogo a quem pode precisar de interrogatório.

Há seis dias, Janot estivera no Palácio do Planalto, para uma conversa com Michel Temer. Ninguém se dignou a dar entrevistas. Na versão oficial, falaram sobre o Fundo Penitenciário Nacional. Na real, Temer queixou-se dos vazamentos ilegais e "ilegítimos" de delações da Odebrecht. Heimmmm?!?

As delações da Lava Jato frequentam o noticiário há dois anos e meio. Enquanto os vazamentos desgastavam Dilma e o PT, o constitucionalista Temer silenciou. No instante em que a Odebrecht joga no ventilador os R$ 10 milhões que seu departamento de corrupção providenciou para atender à requisição feita pelo próprio Temer, os vazamentos tornaram-se "ilegítimos." Ai, ai, ai.

Dois dias antes de se avistar com Temer, Janot recebera na Procuradoria o ministro Alexandre Moraes (Justiça). A conversa ocorreu nas pegadas do vazamento que empurrou a Lava Jato para dentro dos salões do PMDB e do Planalto. No mesmo dia, o ministro se encontrou com Temer e com o líder do governo no Congresso, Romero Jucá, outro investigado do doutor Janot. Falaram sobre muita coisa, menos Lava Jato. Hã, hã…

Um procurador-geral da República que cultiva o hábito de distribuir cortesia a quem reclama investigação deveria considerar a hipótese de estender a delicadeza ao contribuinte que lhe paga os altos salários. Mas Janot parece considerar que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.