No futuro de Temer cabe tudo, menos realidade
Esboçado num discurso de final de ano, levado ao ar na noite de Natal, o futuro do Brasil de Michel Temer está ali, na esquina, radioso, pronto para ser desfrutado. Nele, "2017 será o ano em que derrotaremos a crise." Os empresários, prenhes de confiança, "voltarão a investir e vamos recuperar os empregos perdidos." (Leia no rodapé a íntegra do pronunciamento de Temer)
Como qualquer outro futuro, o futuro do país de Temer é um espaço impreciso e impalpável. O presidente pode vender para si mesmo e para os brasileiros crédulos qualquer coisa, pois o futuro não pode ser cobrado nem conferido. Mas Temer poderia pelo menos ajustar o seu futuro à realidade do Banco Central, que reduziu de 1,3% para 0,8% sua expectativa de crescimento (pode me chamar de estagnação) do PIB para 2017.
De resto, Temer esqueceu de mencionar —ou lembrou de omitir— duas palavras em seu discurso: Lava Jato. Em maio, quando assumiu provisoriamente a presidência da República, o mesmo orador dissera o seguinte: "A Lava Jato tornou-se referência. E como tal deve ter prosseguimento e proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la."
Pois bem, decorridos sete meses e várias tentativas frustradas de "estancar a sangria", os aliados de Temer estão presos ou sitiados por inquéritos. A cúpula do "novo" governo caiu ou está pendurada nos lábios dos delatores da Lava Jato. O nome do próprio presidente soou nas delações da Odebrecht. Seu pescoço encontra-se na guilhotina do Tribunal Superior Eleitoral, que decidirá no primeiro semestre de 2017 se baixa a lâmina.
Num cenário assim, tão conturbado, o máximo que Temer poderia dizer seria algo como "o futuro a Deus Pertence." E ainda correria o risco de ouvir uma pergunta incômoda: "E quanto ao passado, quem responderá por ele?" Mas o ambiente é de festa. E o brasileiro, que costuma ser otimista entre o Natal e o Carnaval, deve estar ávido por viver neste país maravilhoso que Temer esboçou na tevê, seja ele onde for.
Abaixo, a íntegra do pronunciamento de Temer:
Nesta noite de Natal, dirijo-me a você e a todo povo brasileiro para transmitir mensagem de renovada esperança.
O ano que está terminando trouxe imensos desafios.
Assumi definitivamente a presidência da república há pouco mais de cem dias.
Tenho trabalhado, dia e noite, para fazer as reformas necessárias para que o país saia dessa crise e volte a crescer.
O Brasil tem pressa. E eu também. Nesses poucos meses do nosso governo, muito já foi feito.
Com os esforços que fizemos, a inflação caiu e voltou a ficar dentro da meta, o que vai colocar um freio na carestia que você sente no supermercado.
Aprovamos a lei que bota ordem nos gastos públicos pelos próximos 20 anos.
E a lei que moraliza e dá transparência à administração das estatais.
Estamos começando a Reforma da Previdência, para que sua sagrada aposentadoria esteja garantida agora e no futuro.
Aprovamos na Câmara a Reforma do Ensino Médio, que estava parada havia anos.
Ampliamos em mais de R$ 8 bilhões o orçamento da Saúde, área para a qual não pouparei recursos.
Mudamos a constituição para mudar o Brasil.
Tudo isso, volto a lembrar, em poucos meses.
Tenho a perfeita consciência dos problemas do país e da missão que me foi dada.
Os brasileiros pagam muitos impostos e poucos recebem em troca.
Meu desafio é desburocratizar o estado e melhorar a qualidade da administração pública.
É o que chamo de democracia da eficiência.
2017 será o ano em que derrotaremos a crise.
Os juros estão caindo. E cairão ainda mais.
Os empresários voltarão a investir e vamos recuperar os empregos perdidos.
Precisamos crescer. Trabalhamos para voltar a crescer.
Vamos crescer.
Desta vez, um crescimento sustentável e responsável.
Estamos mudando as estruturas do nosso país.
É um desafio complexo e árduo, mas indispensável, a ser vencido por todos nós.
Que nos deixemos, portanto, guiar pelas virtudes da temperança e da solidariedade.
E pelo entendimento de que, na humildade do diálogo e na correria da ação, construiremos juntos o caminho para fazer o futuro.
A verdade virá.
O Brasil, repito, está no caminho certo.
O próximo Natal será muito melhor que este.
Quero encerrar esta minha mensagem prestando homenagem a um grande brasileiro que nos deixou recentemente: o cardeal dom Paulo Evaristo Arns.
A esperança foi seu lema, a coragem, a sua marca.
Coragem e sentimento de esperança não me faltarão.
Chegaremos em 2018 preparados e fortes para avançar ainda mais.
Peço a você que acredite no Brasil.
Desejo um feliz Natal.
Que o seu gesto de amizade e fraternidade nesta noite se estenda por todo o ano novo.
Vamos juntos reconstruir o nos país.
Muito obrigada a todos.
Boa noite, Brasil!"
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