Temer demorou 10 dias para enxergar o pavor
Mesmo uma pessoa como Michel Temer, dono de português refinado, habilidoso usuário de próclises e mesóclises, mestre no manuseio dos advérbios de negação e dos pronomes relativos, mesmo um personagem assim tropeça na língua. Depois de classificar de "acidente pavoroso" o penúltimo massacre de presos, o presidente abandonou a picada do eufemismo para abrir em seu discurso a clareira de um metaplasmo. Surrado no noticiário e nas redes sociais, Temer, finalmente, chamou o descalabro pelo nome: "matança pavorosa".
Em reunião com ministros sobre obras de infraestrutura, Temer dedicou um pedaço do seu discurso à ação da bandidagem organizada, cujo assanhamento expõe a impotência do poder público: "Estas organizações criminosas, PCC, Família do Norte, etc., constituem-se quase, digamos, numa regra jurídica, numa regra de direito fora do Estado. Veja que eles têm até preceitos próprios. E, para surpresa nossa, até quando o fazem aquela pavorosa matança, o fazem baseado em códigos próprios. Está é uma questão que ultrapassa os limites da segurança para preocupar a nação como um todo."
Acidente, como se sabe, é algo imprevisto. Temer demorou dez dias para reconhecer, mesmo que indiretamente, que nada do que acontece nos presídios brasileiros é acidental. O descalabro foi produzido com método, durante décadas de descaso estatal. A troca de palavras não resolve o problema. Mas é um primeiro passo. Perseverando nessa trilha, Temer talvez admita que o Plano Nacional de Segurança, anunciado nas pegadas da "pavorosa matança" é mera empulhação. Resolvido o problema do verbo, é preciso esclarecer de onde sairá a verba.
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