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Josias de Souza

Massacres em série extirpam ponto de exclamação dos hábitos dos brasileiros

Josias de Souza

15/01/2017 06h49

Espantosa época essa que o Brasil atravessa. Uma época em que o horror adquire doce naturalidade. As facções criminosas promovem massacres em série nas penitenciárias do país. E poucos brasileiros parecem dispostos a fazer a concessão de uma surpresa. É matança de bandidos? Pois que venha o extermínio. E com decapitações.

Depois da mortandade de presos em Manaus e Boa Vista, sobreveio, entre a tarde de sábado e a madrugada deste domingo, a chacina da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal. De um lado uma franquia potiguar do paulista Primeiro Comando da Capital (PCC). Do outro, o Sindicato do Crime do RN, que opera em regime de joint venture com o carioca Comando Vermelho (CV).

Em duas semanas, três massacres. Mais de uma centena de execuções. Os criminosos superaram os anseios de Bruno Júlio, aquele ex-auxiliar de Michel Temer que perdeu a chefia da Secretaria Nacional de Juventude depois de lamentar a baixa produtividade da usina de auto-extermínio que funciona nas cadeias: "Tinha é que matar mais", ele disse. "Tinha que fazer uma chacina por semana."

A contabilidade dos horrores de Natal ainda é desconhecida. Na noite passada, o governo estadual admitiu em nota a existência de dez cadáveres. Entretanto, vídeo pendurado na internet indicava a existência de pelo menos 17 corpos. Não foi possível concluir a escrituração porque o poder público estadual, impotente, decidiu que só entraria na cadeia depois do nascer do Sol.

Caio César, secretário de Segurança do governo do Rio Grande do Norte apressou-se em divulgar um vídeo para tranquilzar a população (assista abaixo). "Não houve fuga", disse o secretário a certa altura. "A população pode ficar tranquila e realizar suas atividades normalmente." O que a autoridade máxima da segurança no Estado disse aos cidadãos de bem, com outras palavras, foi o seguinte: "Fiquem calmos. A cadeia está cercada. Lá dentro, os bandidos estão se matando uns aos outros. Nada que mereça a sua preocupação."

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O Datafolha informou, há três meses, que 57% dos brasileiros concordam com a máxima segundo a qual "bandido bom é bandido morto." Quer dizer: as facções criminosas não estão senão satisfazendo a vontade da maioria. Produzem novos carandirus sem a participação da Polícia Militar. É como se as facções unissem o útil ao agradável. Defendem seus territórios e seus negócios. Simultaneamente, atendem à demanda social por sangue.

Nesse contexto, só os chatos, com seu humanismo arcaico, ainda pedem providências e punições. Só os ingênuos, com seu horror postiço, ousam manter o ponto de exclamação entre seus hábitos. Atentas ao sonho da sociedade brasileira de avançar rumo à Idade Média, as facções criminosas já não querem só comida. A bandidagem também quer diversão e arte. A falência do Estado dá ao criminoso condições para oferecer ao país seu vernissage semanal de cadáveres sem cabeça.

– Atualização feita às 19h41 deste domingo (15/1): O governo do Rio Grande do Norte informou no início da noite deste domingo que foram executados na chacina de Alcaçuz pelo menos 26 presos. Foram todos decapitados ou carbonizados.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.