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Josias de Souza

Cármen Lúcia tomou decisão que a crise exigia

Josias de Souza

30/01/2017 12h51

Franzina e baixinha, Cármen Lúcia tomou nesta segunda-feira uma decisão à altura da crise moral que o país atravessa. Educada em colégio de freiras, formada em universidade católica, a presidente do Supremo Tribunal Federal poderia ter confiado à providência divina o futuro da Lava Jato. Mas preferiu não dar sorte ao azar. Ao homologar as 77 delações da Odebrecht, a ministra manteve o ritmo da Lava Jato. Retirou do substituto de Teori Zavascki, ainda a ser sorteado, a chance de pisar no freio.

Cármen Lúcia contrariou interesses e opiniões dentro e fora do Supremo. No Planalto e no Congresso, políticos encrencados nas investigações apostavam que a morte do relator Teori lhes proporcionaria o refrigério de um atraso de pelo menos três meses na tramitação do processo. Na Suprema Corte, parte dos ministros era contra a urgência. Alegava-se que a homologação a toque de caixa era descecessária e até desrespeitosa com o futuro relator, posto sob suspeição antes mesmo de ser escolhido. Não restou aos contrariados senão dizer "amém" à homologação. A presidente do Supremo cercou-se de todos os cuidados técnicos.

De plantão no Supremo durante as férias dos colegas, cabe a Cármen Lúcia decidir sozinha as pendências urgentes. Ela conversou com os juízes que trabalhavam com Teori. Soube que o relator da Lava Jato havia se equipado para homologar no início de fevereiro os acordos de colaboração da Odebrecht. Só faltava ouvir os delatores, para saber se suaram o dedo espontaneamente. Convidou o procurador-geral Rodrigo Janot para uma conversa. Acertou com o chefe do Ministério Público Federal o envio de uma petição requerendo a urgência nas homologações.

Munida da requisição de Janot, Cármen Lúcia autorizou a equipe de Teori a tocar as inquirições dos delatores. O trabalho foi concluído na última sexta-feira. Simultaneamente, a ministra realizou consultas aos colegas. Avaliou que as opiniões contrárias à homologação eram minoritárias. E escorou-se no regimento do Supremo para deliberar sozinha sobre a matéria, tratando-a com a urgência que a conjuntura requer. Fez isso um dia antes do encerramento do recesso do Judiciário. As férias terminam nesta terça-feira (31). Tomou um cuidado adicional: manteve o sigilo das delações.

A preservação do segredo, recebida com alívio no Planalto e no Congresso, pode ser inócua. Logo começarão os vazamentos dos trechos que ainda não chegaram ao noticiário. Mas Cármen Lúcia livrou-se de críticas, porque manteve o formato das decisões tomadas anteriormente pelo próprio Teori. O antigo relator só levantava o sigilo dos acordos de colaboração depois que a Procuradoria da República requisitava a abertura de inquéritos na Suprema Corte.

Com o aval de Cármen Lúcia, o Ministério Público pode dar sequência às investigações, equipando-se para processar e punir os envolvidos. Parte do material será enviada para Curitiba, onde são moídos os investigados que não dispõem do foro privilegiado do Supremo. A conjuntura intimava Cármen Lúcia a agir com destemor. E a ministra preferiu não trasnferir a tarefa para Deus.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.