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Josias de Souza

AGU defende Deltan contra ‘retaliação’ de Lula

Josias de Souza

16/03/2017 12h45

Em contestação entregue na 5ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo (SP), a Advocacia-Geral da União classifica como "retaliação" a ação movida por Lula contra o procurador Deltan Dellagnol. Sob a alegação de que o coordenador da força-tarefa da Lava Jato ofendeu a sua honra numa entrevista à imprensa, o ex-presidente petista reivindica indenização de R$ 1 milhão por "danos morais". A AGU sustenta que a independência e o funcionamento do Ministério Público estarão comprometidos se os autores de ações penais ficarem sujeitos a retaliações praticadas por pessoas acusadas de atos ilícitos, caso de Lula.

Lula foi à Justiça contra Deltan Dellagnol em dezembro de 2016. Seus advogados acusaram o procurador da República de abuso de autoridade por ter supostamente atacado a "honra, imagem e reputação" do ex-presidente. O "abuso" teria sido cometido numa entrevista realizada três meses antes, em setembro. Nela, Deltan apresentara aos jornalistas uma denúncia criminal contra Lula. Exibira em slides de PowerPoint ilustração em que Lula figurava no centro do esquema de corrupção que assaltou a Petrobras. O procurador referiu-se a ele como "comandante máximo."

Na sua petição, a Advocacia-Geral argumenta que a entrevista do coordenador da Lava Jato não foi senão uma decorrência do princípio constitucional da publicidade. Os advogados do Estado realçam também que a Lei de Acesso à Informação e a Portaria número 918/2013 da Procuradoria-Geral da República impõem ao Ministério Público Federal o "dever de divulgar sua atuação em casos que tenham grande alcance, efeito paradigmático ou caráter pedagógico."

Pode parecer paradoxal que a AGU defenda o procurador, pois o órgão está subordinado ao delatado Michel Temer, que está rodeado de ministros e aliados atolados no lamaçal da Lava Jato. Mas a AGU representa Deltan Dellagnol no processo a pedido do próprio procurador. Atua no caso como órgão do Estado. Esse tipo de ação está previsto no artigo 22 da Lei nº 9.028/95. Estabelece que a Advocacia-Geral poderá representar em juízo agentes da administração pública federal nos casos em que eles respondem a processos em decorrência de atos praticados no exercício de suas funções.

Os advogados de Lula enxergaram na entrevista de Deltan "termos e adjetivações manifestamente ofensivas" ao grão-petista. Para a AGU, não houve intenção de ofender. O procurador apenas serviu-se de "analogias de caráter informativo" para facilitar a compreensão da denúncia contra Lula.

"A finalidade, portanto, era proporcionar explicações mais didáticas sobre os fatos investigados", anota a peça redigida em defesa de Deltan Dellagnol. "Desse modo, os objetivos estritos da entrevista foram informar a sociedade, dar transparência à atividade do Ministério Público e prestar contas à população em caso de grande alcance nacional e internacional."

Os advogados da União levantam outros quatro ponrtos na contestação protocolada em São Bernardo do Campo:

1) agentes públicos como Deltan Dellagnol não podem responder diretamente por eventuais danos causados a terceiros. O artigo 37 da Constituição Federal prevê que a administração pública deve responder por esse tipo de dano. Comprovando-se a culpa e o dolo do agente público, o Estado cobrará dele posteriormente o ressarcimento de eventuais danos.

2) o novo Código de Processo Civil anota que os membros do Ministério Público respondem apenas regressivamente, e não diretamente, por atos praticados no exercício das suas funções. A AGU argumenta que se trata de uma garantia para assegurar a independência de procuradores e promotores.

3) A comarca de São Bernardo do Campo não tem legitimidade para julgar o caso. A ação deve ser apreciada pela Justiça Federal, já que envolve a atuação do procurador na Lava Jato numa investigação de crimes que lesaram os cofres da União.

4) A indenização de R$ 1 milhão pleiteada por Lula é exorbitante. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça revela que nem mesmo indenizações por morte chegam a esse valor.

De resto, a AGU pede que Lula seja condenado a pagar honorários advocatícios fixados em até 20% do valor da causa caso o pedido de indenização seja considerado improcedente.

— Atualização feita às 18h26 dsta quinta-feira (16): Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, divulgou nota sobre a atuação da Advocacia-Geral da União em defesa do procurador da República Deltan Dellagnol. Vai abaixo a íntegra da manifestação do defensor do ex-presidente petista:

É jurídica e conceitualmente equivocada a nota divulgada pela Advocacia Geral da União (AGU) nesta data (16/03/2017 – "Para AGU, procurador da Lava Jato deve ser protegido de retaliações indevidas"), relativamente à defesa apresentada por esse órgão em favor do procurador da República Deltan Dallagnoll em ação de reparação de danos morais promovida pelo nosso cliente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A participação da AGU no caso afronta a legislação e mostra tentativa de intimidar Lula.

O procurador não está sendo processado por ter subscrito uma denúncia contra o ex-presidente, ainda que com acusações frívolas e estapafúrdias. A ação se baseia na ilícita conduta do agente que capitaneou uma entrevista coletiva em 14/09/2016 – realizada em local alugado com recursos públicos e com auxílio de um PowerPoint que se eternizou pelos aspectos extravagantes de seu conteúdo – para caluniar e difamar Lula com afirmações estranhas ao objeto da denúncia protocolada naquela data e, ainda, com temas que estavam e permanecem fora de sua esfera de atribuição funcional.

Essa coletiva também promoveu um atentado a garantias fundamentais previstas na Constituição Federal e em Tratados Internacionais que o Brasil subscreveu, especialmente no que se refere à garantia da presunção de inocência.

Os membros do Ministério Público têm o dever de zelar pela defesa da ordem jurídica (CF/88, art. 127), jamais afrontá-la. Não é por outro motivo que o Conselho Nacional do Ministério Público  (CNMP) editou a Recomendação nº 39, de 08/2016, impondo que "as informações e o momento de divulgá-las deve ser responsavelmente avaliados" (artigo 13) e sempre é necessário "evitar que a manifestação do Ministério Público seja apresentada como decisão ou signifique condenação antecipada dos envolvidos" (artigo 14). A conduta adotada pelo procurador em relação a Lula é a antítese do ato normativo do CNMP e por isso também existe um procedimento aberto perante aquele órgão para investigá-lo.

A manifestação da AGU ignorou tais aspectos e, em realidade, defende que os excessos praticados por membros do Ministério Público, ainda que fora de suas estritas funções, fiquem sem qualquer punição, criando a reprovável figura de pessoas acima da lei. Os membros do Ministério Público devem agir com responsabilidade proporcional ao elevado poder que a Constituição Federal de 1988 lhes assegura.

A AGU sequer poderia estar à frente do caso. Sua atuação somente se justifica em relação a atos praticados por agentes públicos no "estrito exercício das atribuições constitucionais, legais ou regulamentares", segundo dispõe a Portaria AGU nº 408/2009, em sintonia com a Lei nº 9.028/95. No caso, o que se tem é a defesa de ato praticado em local privado, sobre temas estranhos à denúncia que se propôs a informar e que sequer estava sob a sua atribuição, já que são objeto de procedimento conduzido pelo Procurador Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal.

Protocolaremos no prazo legal réplica à defesa da AGU mostrando a indevida representação jurídica promovida por esse órgão público, além de reforçar a necessidade de o procurador reparar os danos morais causados a Lula.

O envolvimento da AGU no "lawfare" praticado contra Lula por alguns agentes públicos com a clara tentativa de intimidar o ex-Presidente por parte desse órgão do Executivo Federal também será levado ao conhecimento do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no âmbito de comunicado feito em julho de 2016 e registrado em outubro do mesmo ano."

Cristiano Zanin Martins

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.