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Josias de Souza

TSE ainda culpará a maçã por pecados cometidos pelo comitê de Dilma e Temer

Josias de Souza

04/04/2017 14h30


Tudo correu como planejado no primeiro dia do suposto julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff—Michel Temer. Verificou-se que a única maneira de levar o processo adiante é voltando no tempo. Em nome da preservação do sacrossanto direito de defesa, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que, além de conceder mais prazo para que os advogados de Dilma e Temer apresentem novamente suas "alegações finais", será necessário ouvir novas testemunhas.

A certa altura, o relator Herman Benjamin, preocupado em evitar que o processo se torne "um universo sem fim", fixou um limite: "Não vamos querer ouvir Adão e Eva e a serpente." O colega Napoleão Nunes Maia Filho concordou: "Eu também não quero retornar ao Paraíso." Mas deixou a questão em aberto: "A não ser se fosse no período anterior à queda." Ficou entendido que, no limite, o TSE ainda pode culpar a maçã pelos pecados nada originais cometidos na campanha que reelegeu Dilma e Temer.

Na prática, o TSE decidiu suspender o julgamento antes mesmo que o relator pudesse iniciar a leitura do seu relatório. Retornou-se à fase de coleta de provas. Atendendo a pedido da defesa de Dilma, os ministros da Corte Eleitoral abriram novo prazo de cinco dias para que os advogados se manifestem. Nos dois dias que o relator havia concedido, os advogados de Dilma produziram alegações finais de 213 páginas. Restabelecida a ordem, produzirão muito mais.

Sobretudo porque, na sequência, os ministros deliberaram que o novo prazo de cinco dias vai durar pelo menos uns dois meses, pois só começará a ser contado depois da inquirição do ex-ministro petista Guido Mantega e mais três personagens que acabam de fechar acordo de delação com a força tarefa da Lava Jato: o marqueteiro João Santana, sua mulher Monica Moura e um personagem desconhecido do noticiário: André Santana.

Estima-se que os novos procedimentos empurrarão a próxima sessão do pseudo-julgamento para algum ponto no calendário de maio ou junho. Até lá, dois dos atuais ministros —Henrique Neves e Luciana Lóssio— já terão sido substituídos por um par de julgadores indicados pelo acusado Temer: Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.

Gilmar Mendes, presidente do TSE, elogiou o trabalho do relator Benjamin. "Sua Excelecência, inclusive, hoje, demonstrou a clarividência e a humildade de fazer eventuais ajustes, tendo em vista a marcha do processo, a necessidade de que o processo vá para a frente. E que não fique nesse permanente ritornelo. Ele que está muito sensibilizado pela imagem bíblica da oitiva da serpente. Não sei se isso tem alguma razão metafórica."

Com sorte, o julgamento hipotético será retomado antes do recesso de meio do ano do Judiciário. Seja quando for, o ministro Napoleão, aquele que admite levar o processo ao Éden se for "no período anterior à queda", pedirá vista dos autos, postergando um pouco mais o veredicto. Nada impede que outros ministros façam o mesmo nas sessões subsequentes.

Nesse ritmo, quando conseguir apontar a maçã como culpada pelos crimes eleitorais de 2014, o TSE talvez conclua que será necessário reabrir uma vez mais a fase de instrução processual. Como se sabe, a Bíblia não especifica qual era o fruto proibido que Adão e Eva comeram naquele dia em que, por desobediência a Deus, a humanidade perdeu o Paraíso e, em troca, ganhou a mortalidade, o sexo, a indústria têxtil e o Departamento de Propinas da Odebrecht.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.