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Josias de Souza

Sem prisões longevas, a Lava Jato não existiria

Josias de Souza

03/05/2017 20h54

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Alguns ministros do Supremo acham sinceramente que estão sentados ao lado de Deus. No julgamento sobre a libertação de José Dirceu, ficou provado que, se Deus existe, Ele não é full time. O Todo-Poderoso abandonou a sessão da Segunda Turma do Supremo e foi tratar de alguma outra coisa no instante em que foi aberta a cela de Dirceu. Considerou-se que a prisão era alongada e não havia contra Dirceu uma condenação de segunda instância. Levando-se os argumentos às últimas conseguências, talvez nem houvesse Lava Jato. Sem prisões preventivas longevas, o doleiro Alberto Yousseff continuaria operando, petrolarápios como Pedro Barusco e Paulo Roberto Costa estariam desfrutando de suas fortunas na Suíça e o Departamento de Propinas da Odebrecht ainda seria o dono da República.

Não é preciso sair da Segunda Turma do Supremo para perceber que Dirceu poderia ter ficado na cadeia. O relator Edson Fachin e o decano Celso de Mello enumeraram sólidas razões para manter a prisão preventiva. Mas quis a providência divina que Dias Tofolli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes encontrassem na mesma legislação motivações a favor de um preso que não hesitou em sapatear sobre a autoridade do próprio Supremo, recebendo propinas antes, durante e depois do julgamento do mensalão.

O mais irônico, é que há nas cadeias brasileiras 221 mil presos provisórios, sem sentenças definitivas. Pela lógica do Supremo deveriam estar todos soltos. Mas falta-lhes poder, dinheiro e os bons advogados que, nas pegadas de Dirceu, tentarão a liberdade de Marcelo Odebrecht, Antonio Palocci, João Vaccari, Renato Duque, Eduardo Cunha e um enorme etcétera. A Lava Jato mostrou que o combate à corrupção sistêmica exige a aplicação da lei nos seus limites mais extremos. O Supremo começou a questionar esse método. A Justiça pode ser cega. Mas nas folgas de Deus, ela adquire um olfato extraordinário.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.