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Josias de Souza

Lula trata audiência penal como horário eleitoral

Josias de Souza

04/05/2017 19h15

Lula pediu a Sergio Moro, por meio dos advogados, que promova mudanças na filmagem do seu depoimento, marcado para quarta-feira da semana que vem. Até aqui, a câmera da 13ª Vara Federal de Curitiba focaliza apenas o depoente. O czar do PT deseja captar outros closes: a cara do juiz, o semblante dos procuradores, a face dos advogados… Quem sabe uma tomada aérea. Talvez um travelling do ambiente.

A petição dos defensores de Lula resume as pretensões do réu-Felini: é preciso captar da audiência o que se passa "em todo recinto onde ela se realiza", direcionando a lente da câmera "à pessoa que está a fazer uso da palavra, não a deixando repousar exclusiva e fixamente na pessoa do interrogado, mas, sim, promovendo a gravação da íntegra do ato."

Esse tipo de preocupação é típico de campanha eleitoral. Nos debates televisivos, a marquetagem proíbe emissoras de filmarem o semblante do candidato quando seu rival lhe dirige uma pergunta. Com isso, evita-se a exibição de reações que denunciem sentimentos como raiva, dúvida, menosprezo. Elimina-se o risco de produzir matéria-prima para as campanhas rivais.

A petição dos defensores de Lula anota que a câmera de Moro, concentrada apenas no interrogado, "propaga uma imagem distorcida dos sucessos verificados na audiência, impedindo que sejam avaliadas a postura do juiz, do órgão acusador, dos advogados e de outros agentes envolvidos no ato."

Lula poderia simplesmente pedir a Sergio Moro, como já fizeram outros interrogados, que a audiência fosse apenas gravada, não filmada. Resolveria o problema da suposta "imagem distorcida". Mas passaria uma noção de medo que o réu deseja evitar. De resto, privaria a plateia dos "sucessos" da inquirição-espetáculo.

Se João Santana não tivesse virado um delator, Lula talvez o convidasse para dirigir as cenas. E a audiência penal viraria, finalmente, um espetáculo hollywoodiano digno de ser exibido na propaganda do horário eleitoral da tevê. A coisa seria feita com todos os recursos que o caixa dois da Odebrecht fosse capaz de pagar.

Ao fundo, soaria uma música apoteótica, para potencializar a mistificação e disfarçar a indigência. Entre uma e outra resposta, seriam exibidos depoimentos de populares —gente tomada de admiração pelo réu-candidato. Uma apoteose!

Lula ainda não se deu conta. Mas vai a Curitiba como réu em ação penal pela prática de crimes como corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Espera-se que sua preocupação não se restrinja à forma, mas ao conteúdo do depoimento. A versão do complô de investigadores levianos, delatores torturados e um juiz arbitrário contra "a alma mais honesta" do planeta perdeu o prazo de validade.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.