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Josias de Souza

Duque põe Lula na pauta da delação de Palocci

Josias de Souza

06/05/2017 04h18

Antonio Palocci mantém o propósito de celebrar com a Lava Jato um acordo de colaboração judicial. Em privado, afirma que o pedido de liberdade que sua defesa protocolou no Supremo Tribunal Federal não alterou o plano de se tornar delator. Nesse cenário, o depoimento de Renato Duque ao juiz Sergio Moro introduziu na pauta da delação de Palocci um tema incontornável: Lula.

Representante do PT no time de diretores acomodados na Petrobras para assaltar os cofres da estatal, o petista Duque esmiuçou para o juiz da Lava Jato um esquema de cobrança de propinas em contratos para a construção de sondas. Envolve a empresa Sete Brasil. Na versão de Duque, Palocci foi escalado para defender os interesses de Lula na partilha da verba de má origem.

Duque deu nome aos bois. Integram o roteiro, além de Lula e Palocci, o ex-gerente da diretoria de Serviços da Petrobras Pedro Barusco, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, e o ex-ministro José Dirceu.

A certa altura, Duque contou a Moro: "Ele, Barusco, diz pro Vaccari que tinha fechado com todos os estaleiros a participação de 1% em cima dos contratos, sendo que Kepel e Jurong tinha fechado em 0,9%. Ele propôs nessa ocasião uma divisão ao estilo que ele praticou na Engenharia, com metade para a Casa [executivos da Petrobras] e metade pro partido [PT]. O Vaccari falou: 'Nesse assunto específico eu vou consultar o Antonio Palocci', porque o Lula encarregou o Palocci de cuidar desse assunto. Aí Vaccari vai, tem a conversa, retorna e diz que a posição não é de meio a meio; é 1/3 para a Casa e 2/3 para partido. A parte de 1/6 daria US$ 33 milhões; multiplicado por seis daria quase US$ 200 milhões. Os 2/3 do partido político, Vaccari me informou que iriam para o PT, José Dirceu e Lula. A parte do Lula seria gerenciada pelo Palocci."

Não há hipótese de Palocci se entender com os procuradores da Lava Jato sem esclarecer sua participação neste e noutros episódios em que aparece engachado em Lula. Por exemplo: O delator Marcelo Odebrecht declarou a Moro que Palocci era o "Italiano" das planilhas do departamento de propinas da construtora. Entre outras atribuições, cabia a ele gerenciar uma verba suja de R$ 40 milhões destinada à rubrica "Amigo", codinome atribuído a Lula.

Odebrecht relatou em sua delação: "A gente botou R$ 40 milhões que viriam para atender demandas que viessem de Lula. Veja bem: o Lula nunca me pediu diretamente. Eu combinei via Palocci. Óbvio, ao longo dos usos, ficou claro que era realmente para o Lula. […] O Palocci me pedia para descontar do saldo 'Amigo'." Nessa versão pelo menos R$ 13 milhões da cifra destinada a Lula foram repassados a um ex-assessor de Palocci em dinheiro vivo.

Confirmando-se a entrada dos petistas Duque e Palocci no rol de delatores, ficará de ponta-cabeça o discurso de Lula e do petismo. Será difícil encaixar dois personagens tão identificados com o PT na categoria de integrantes do hipotético complô que estaria tentando golpear a candidatura presidencial de Lula.

Foi à breca também o discurso da suposta seletividade da Lava Jato. Hoje, encontram-se sob suspeição desde Michel Temer até a cúpula do PSDB (pode me chamar de Aécio Neves, Geraldo Alckmin e/ou José Serra). A bancada de deputados e senadores encrencados é suprapartidária. De resto, foram imprensados oito ministros de Temer, entre os quais estão dois fraternais amigos do presidente (Eliseu Padilha e Moreira Franco).

Juridicamente, Lula tornou-se um personagem duro de defender. Politicamente, ostenta um discurso desconexo. Se virar matéria-prima da delação de Palocci, ministro da Fazenda do seu governo, Lula terá dificuldade para desqualificar o delator. Xingá-lo seria como cuspir contra a própria imagem refletida no espelho.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.