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Josias de Souza

Temer não renuncia, foi renunciado pelos fatos

Josias de Souza

18/05/2017 17h07


Vinte horas e quarenta minutos depois da divulgação da notícia segundo a qual sua voz soara numa conversa vadia gravada por um delator, Michel Temer veio à boca do palco nesta quinta-feira (18), para bradar, a plenos pulmões: "Não renunciarei. Repito: não renunciarei." O presidente não se deu conta. Mas sua reação é a mais forte evidência de que ele já foi, por assim dizer, renunciado pelos fatos. Se a autodefesa de Temer revela alguma coisa é que ele se tornou um presidente indefensável.

Ao resumir o paradoxo em que se meteu, o próprio Temer falou do sucesso de sua gestão conjugando o verbo no passado: "Meu governo viveu nesta semana seu melhor e seu pior momento. Os indicadores de queda da inflação, os números de retorno do crescimento da economia e os dados de geração de empregos criaram esperanças de dias melhroes. O otimismo retornava. E as reformas avançavam no Congresso Nacional."

O otimismo virou desespero. E as reformas foram enviadas ao freezer.

Temer prosseguiu: "Ontem , contudo, a revelação de conversa gravada clandestinamente trouxe de volta o fantasma de crise política de proporção ainda não dimensionada. Portanto, todo um imenso esforço de retirar o país de sua maior recessão pode se tornar inútil. E nós não podemos jogar no lixo da história tanto trabalho feito em prol do país."

As proporções da crise foram, sim, dimensionadas. Nas palavras de um ministro de Temer, "o governo não está no chão, já alcançou o subsolo." Foi Temer quem jogou os esforços no lixo. Fez isso ao imaginar que poderia governar com a cabeça nas reformas e os pés no lodo. Portou-se como se a Lava Jato não existisse. Deu no que deu.

E quanto às explicações? Bem, nessa matéria tão essencial, Temer ficou devendo. "Ouvi, realmente, o relato de um empresário que, por ter relações com um ex-deputado, auxiliava a família do ex-parlamentar." Evitou até mesmo dar nome aos bois. O empresário Joesley Batista, agora um delator, não auxiliava a família de ninguém. As investigações revelam que ele comprava o silêncio do presidiário Eduardo Cunha, um ex-deputado que guarda segredos insondáveis sobre Temer.

"Em nenhum momento autorizei que pagassem a quem quer que seja para ficar calado", disse Temer, sem fazer referência à frase captada no autogrampo de Joesley: "Tem que manter isso, viu?". "Não comprei o silêncio de ninguém. Por uma razão singelíssima: exata e precisamente porque não temo nenhuma delação", vociferou Temer. A demora em prover explicações, só agora expostas de maneira tão vagas, denuncia a precariedade das convicções do orador.

Temer parece viver a neurose do que está por vir depois que o Supremo Tribunal Federal levantar o sigilo da delação do Gripo JBS. E tem fundadas razões para cultivar os seus receios. Um presidente que precisa anunciar à nação que não renunciará perdeu a noção do tempo. Convertido de presidente em personagem de inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal, Temer precisa cuidar dos minutos, porque suas horas já passaram.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.