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Josias de Souza

Antes de rejeitar renúncia, Temer cogitou diretas

Josias de Souza

20/05/2017 03h03

Na tarde da última quinta-feira, Michel Temer achegou-se ao púlpito do Palácio do Planalto para declarar: "Não renunciarei. Repito, não renunciarei. Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos." Horas antes, reunido com seus operadores políticos mais leais, o orador não exibia a mesma convicção. Às voltas com uma crise que o converteu no primeiro presidente da história a ser investigado em pleno exercício do cargo pelos crimes de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa, Temer se dispôs a enviar ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição antecipando as eleições presidenciais diretas para o próximo mês de novembro.

 

Participaram da conversa os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Antonio Imbassahy (Relações Institucionais), além do líder do governo no Senado, Romero Jucá. Os quatro manifestaram-se contra a ideia de Temer. Aconselharam o presidente a lutar pelo cargo. Jucá fez uma observação que adicionou à cena uma certa ponderabilidade cômica que acabou por comprometer a seriedade da proposta de Temer. O senador disse que uma eleição direta daqui a seis meses soaria como uma "renúncia a prazo." A ideia foi abandonada. E Temer pegou em lanças.

Nesta sexta-feira, a divulgação dos vídeos da delação do Grupo JBS e do papelório que compõe o inquérito aberto contra Temer no Supremo borrifaram gasolina na crise. O presidente incorporou à sua infantaria o amigo criminalista Antônio Mariz de Oliveira. Além da frente de batalha política, onde tenta evitar a deserção do PSDB, Temer se equipa para guerrear na Suprema Corte.

De saída, a defesa de Temer questiona a validade da gravação que registrou a conversa vadia que ele manteve com o delator Joesley Batista, dono do Grupo JBS, no Palácio do Jaburu, no último dia 7 de março. Alega-se que o diálogo, captado por meio de gravador que o empresário escondia no bolso do paletó, é fruto de "montagem". Perícia encomendada pela Folha chegou à mesma conclusão. O problema de Temer é que, a essa altura, o áudio sob questionamento é apenas mais um detrito no monturo de indícios que empurram sua biografia para o mesmo lixão que levou ao apodrecimento do mandato de Dilma Rousseff.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.