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Josias de Souza

É hora de tirar o código de barras da democracia

Josias de Souza

21/05/2017 05h29

Antigamente, o Brasil era um país de corruptos sem corruptores. Hoje, com o advento da delação premiada, virou uma nação de corruptores sem corruptos. Roçando as grades de Curitiba, Lula não sabia de nada. Recém-chegada ao pântano, Dilma continua estalando de pureza moral. Com a reputação reduzida à soma de palavrões que inspira nos botecos, Aécio é a virtude que terceirizou o xadrez à irmã. Ao jurar que não fez nada, Temer tornou-se um revolucionário do léxico, provando que nada é uma palavra que ultrapassa tudo.

Tanta inocência eliminou até o benefício da dúvida. Aos olhos da opinião pública, os políticos agora são culpados até prova em contrário. Se perdem o mandato e o foro privilegiado, como Eduardo Cunha, vão em cana como prova em contrário. Desde março de 2014, quando a Operação Lava Jato começou, a banda dinheirista da política cultiva a ilusão de que a sangria será estancada. Para o bem da nação, deu-se o oposto. A política virou uma atividade hemorrágica.

A má notícia é que o sistema político morreu. O comportamento de risco e a tendência à autodesmoralização levaram o modelo ao suicídio. A boa notícia é que a morte pode ser um enorme despertar. Num instante em que a faxina invade os salões do Palácio do Jaburu, fica claro que o país necessita de um movimento que acabe com o suborno, o acobertamento, o compadrio, o patrimonialismo… Em suma, precisa-se de uma articulação qualquer que acabe com os valores mais tradicionais da política brasileira.

O primeiro passo é eliminar dos costumes nacionais a praga do quase. A higienização quase foi alcançada quando as ruas escorraçaram Collor do poder. A assepsia quase foi obtida quando cassaram-se os mandatos de meia dúzia de anões do Orçamento. A purificação quase chegou quando o Supremo Tribunal Federal mandou para a cadeia a turma do mensalão. Temer é uma evidência de que o impeachment de Dilma não eliminou a síndrome do quase. Chegou a hora de levar a faxina às últimas consequências.

Neste sábado, Temer discursou por 12 minutos para informar ao país que Joesley Batista, seu ex-amigo do Grupo JBS, não vale nada. Depois de limpar os cofres do BNDES nos governos Lula e Dilma, armou uma delação fraudulenta para produzir turbulência econômica capaz de lhe propiciar lucros extraordinários comprando dólares na baixa e vendendo ações na alta. Quer dizer: para Temer, Joesley é um patife. E não será a plateia que irá discutir com um especialista. Melhor passar a Presidência de Temer no detergente e seguir em frente.

A honestidade é como a gravidez. Nenhuma mulher pode estar um pouquinho grávida, como não pode haver governo um pouco honesto, com oito ministros investigados e um presidente que confraterniza com corruptos no palácio residencial. A esse ponto chegamos: o Brasil terá de cair para que Temer se mantenha no cargo de presidente. Só a desmoralização nacional salva Temer.

A velha sacada do Churchill ensina que a democracia é o pior regime possível com exceção de todos os outros. Mas no Brasil os políticos parecem eternamente engajados num esforço para implementar as alternativas piores. De erro em erro, chegou-se à cleptocracia atual. É chegada a hora de arrancar o código de barras da democracia brasileira. A entrada do processo é a saída de Temer. O limite é a Constituição. O desafio é encontrar um nome capaz de gerir um programa mínimo e zelar pelo calendário eleitoral de 2018.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.