Topo

Josias de Souza

Perito não pode negar o que Temer já confirmou

Josias de Souza

22/05/2017 21h15

Contratado pelo escritório do criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que defende Michel Temer, o perito Ricardo Molina disse em entrevista que a gravação da conversa do presidente com o delator Joesley Batista é imprestável e deveria ser jogada no lixo. Ainda que o conselho fosse seguido, o pesadelo criminal de Temer não seria extinto. O presidente já confirmou a autenticidade de vários trechos do áudio. Para efeitos penais, a palavra do acusado se sobrepõe ao teor do grampo. E as confirmações de Temer não tornaram a cena menos malcheiroso. Elas reforçaram a necessidade de investigação. Vão abaixo alguns trechos da gravação que foram avalizados pelo grampeado.

— 'Tem que manter isso, viu?': Acusado de avalizar uma mesada que o delator Joesley desembolsaria para manter Eduardo Cunha calado, Temer defendeu-se em pronunciamento feito no último sábado, no Planalto. Declarou: "É interessante: quando os senhores examinam o depoimento [de Joesley] e o áudio, os senhores identificam que a conexão de uma sentença à outra não é a conexão de quem diz: 'Olha, eu estou comprando o silêncio de um ex-deputado e estou dando tanto a ele. Não. A conexão é com a frase: 'Eu me dou muito bem com o ex-deputado, mantenho uma boa relação'. Eu digo: mantenha isso, viu?"

Nesse ponto, Temer confirmou que o delator, personagem que ele próprio diz que deveria estar preso, lhe revelou que vinha mantendo uma "boa relação" com Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, condenado por corrupção e mantido atrás das grades. Temer confirmou ter declarado: "Mantenha isso, viu?". Terá a oportunidade de explicar o sentido do seu comentário no curso do inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista à Folha, veiculada nesta segunda-feira, Temer reconheceu como autêntico outro trecho da gravação que se refere ao ex-amigo Eduardo Cunha. Nele, o delator soou em timbre monetário. Perguntou-se ao presidente: O Joesley fala [na gravação] em zerar, liquidar pendências [com Cunha e o doleiro Lúcio Funaro, seu operador]. Não sendo dinheiro, seria o quê?

Eis a resposta de Temer: "Não sei. Não dei a menor atenção a isso. Aliás, ele falou que tinha [comprado] dois juízes e um procurador. Conheço o Joesley de antes desse episódio. Sei que ele é um falastrão, uma pessoa que se jacta de eventuais influências. E logo depois ele diz que estava mentindo." O presidente se faz de desentendido. Entretanto, torna válido mais um trecho do áudio que o perito Molina gostaria de enviar à lata de lixo.

'Ótimo, ótimo': No áudio produzido pelo delator, Temer ouve um relato de Joesley sobre a compra de dois juízes e de um procurador da República. O empresário disse que estava "segurando" as autoridades. O presidente não demonstrou contrariedade. Ao contrário, expressou-se assim: "Ótimo, ótimo." Na entrevista à Folha, foi questionado: Não é prevaricação se o sr. ouve um empresário dentro da sua casa relatando crimes?

Temer respondeu assim: "Você sabe que não? Eu ouço muita gente, e muita gente me diz as maiores bobagens que eu não levo em conta. Confesso que não levei essa bobagem em conta. O objetivo central da conversa não era esse. Ele foi levando a conversa para um ponto, as minhas respostas eram monossilábicas…"

Os repórteres insistiram: Quando o sr. fala "ótimo, ótimo", o que o sr. queria dizer? E Temer: "Não sei, quando ele estava contando que estava se livrando das coisas etc." Os dicionários informam que o vocábulo "ótimo" significa "muito bom". No curso do inquérito, o presidente poderá esclarecer se conhece outos significados. A gravação tornou-se desnecessária para o aprofundamento do tema. Será interessante saber por que Temer recebe "muita gente" que vai ao presidente da República para dizer "as maiores bobagens."

— 'Pode fazer isso': Temer tratou como fidedigno outro trecho do áudio que o perito considera inservível. Nesse pedaço da gravação, resumiu o presidente no seu pronunciamento de sábado, o delator expôs o que o Temer definiu como "reclamações contra o ministro da Fazenda, contra o Cade, contra o BNDES." Para Temer, as queixas de Joesley são uma "prova cabal de que meu governo não estava aberto a ele." Porém…

No trecho validado por Temer, o dono da JBS, hoje um corrupto confesso, pede um "alinhamento" de posições com o presidente. Algo que lhe permitisse ser mais direto nas cobranças dirigidas ao ministro Henrique Meirelles Fazenda). E Temer assentiu: "Pode fazer isso." No inquérito, terá a oportunidade de responder à seguinte indagação: Fazer o quê?

— Homem da Mala: Temer também avalizou o pedaço do grampo em que credenciou o ex-assessor, hoje deputado federal Rodrigo Rocha Loures como seu interlocutor junto a Joesley. "O autor do grampo relata no diálogo suas dificuldades", declarou o presidente no sábado. "Simplesmente ouvi. Nada fiz para que ele obtivesse benesses do governo." Paradoxalmente, acrescentou: "Não há crime, meus amigos, em ouvir reclamações e me livrar do interlocutor indicando outra pessoa para ouvir as suas lamúrias."

Rocha Loures, a "outra pessoa" que Temer indicou para ouvir as "lamúrias" do delator foi quem marcou o encontro do presidente com Joesley, ocorrido na calada da noite do dia 7 de março, no Palácio do Jaburu. Dias depois, o mesmo personagem, já credenciado por Temer como pessoa de sua "mais estrita confiança", foi filmado pela Polícia Federal recebendo propina de R$ 500 mil acondicionada numa mala. Os delatores da JBS afirmam que o dinheiro se destinava ao presidente da República. Temer nega. O inquérito servirá para acomodar a encrenca em pratos asseados. E o áudio que o perito chama de lixo já não é necesário para que as investigações prossigam. No mínimo, o processo servirá para que Temer explique os seus conceitos sobre índole. Na entrevista à Folha, o presidente declarou que Rocha Loures, o preposto corrompido, é um homem de "boa índole, muito boa índole."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.