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Josias de Souza

Temer leva a vaca ao brejo nas asas do Aerosley

Josias de Souza

08/06/2017 03h49

Michel Temer aprende da pior maneira que um homem público jamais deve dizer uma mentira que não possa provar. Menos de 24 horas depois de desmentir, o presidente foi forçado pelas evidências a admitir que voou num jato de Joesley Batista, da JBS, em janeiro de 2011. Ele não foi o primeiro grão-duque a requisitar asas amigas. Mas inovou nas explicações.

A nota divulgada pelo Palácio do Planalto vale o desperdício dos 30 segundos necessários para sua leitura: "O então vice-presidente Michel Temer utilizou aeronave particular no dia 12 de janeiro de 2011 para levar sua família de São Paulo a Comandatuba, deslocando-se em seguida a Brasília, onde manteve agenda normal no gabinete. A família retornou a São Paulo no dia 14, usando o mesmo meio de transporte. O vice-presidente não sabia a quem pertencia a aeronave e não fez pagamento pelo serviço."

O melhor pedaço do texto é a última frase. Nela, o Brasil foi informado de que é presidido pela única pessoa no planeta que desconhece a identidade de um amigo capaz de lhe ceder um jato gratuitamente. A coisa fica mais complicada quando se verifica que o autor da generosidade é o mesmo sujeito que Temer recebeu no escurinho do Jaburu e com quem manteve o diálogo vadio que lhe rendeu um inquérito criminal.

O sobrenome Batista não traz boa sorte aos nobres do PMDB. No mesmo ano de 2011, Eike Batista admitiu o empréstimo do seu jatinho Legacy para que o então governador Sérgio Cabral se deslocasse até um resort na Bahia, onde se realizava a festa de aniversário de outro amigo: Fernando Cavendish, dono da Delta. Temer já deve ter notado que Cabral, seu companheiro de partido, não é um bom exemplo. Mas tornou-se um fantástico aviso. Coleciona dez ações penais e leva a vida atrás das grades. Seus amigos arrastam tornozeleiras eletrônicas em casa.

Temer precisa tomar cuidado. A tal orquestração de que ele tanto se queixa realmente existe. Mas está no governo, não na Procuradoria-Geral de Rodrigo Janot ou no Supremo Tribunal Federal de Edson Fachin. Participam da orquestração ministros que levam investigações na flauta, aliados montados na gaita, ex-assessor pegando uma nota preta, Jucá batendo o bumbo anti-Lava Jato, Renan desafinando com a boca no trombone, a JBS na regência e o presidente dançando conforme a música, sem se dar conta de que virou uma caricatura de pouco discernimento – um ser incapaz de perceber o óbvio: alguém que leva a vaca para o brejo nas asas do Aerosley dispensa conspirações inimigas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.